Por Erre Amaral
Conheci
a escritora Marcia Barbieri na viagem que a Caravana Rolidey fez a São Miguel
Paulista, em Sampa. O encantamento com aquela bela mulher de olhos verdes foi
imediato. Ao nos reencontrarmos em Santos, em outra viagem da Caravana, fui
presenteado com seus dois romances: Mosaico
de rancores (2013) e A puta (2014),
ambos publicados pela Terracota Editora, que li em sequência. Fui surpreendido
com a narrativa densa, violenta, labiríntica, erótica e desnorteadora da pessoa
delicada e quase lacônica que é Marcia Barbieri. Neste breve bate-papo procurei
esclarecer essa incongruência entre a mulher e a escritora, mas não sei se
consegui. Tirem, vocês mesmos, suas próprias conclusões.
Erre Amaral:
Por que você escreve?
Marcia Barbieri:
Não sei exatamente porque escrevo, acho tudo tão sem sentido e me acho apenas
mais uma entre todas da minha espécie, escrever me faz sentir ser um pouco mais
singular, no entanto, talvez seja só uma ilusão... um fio para ir me
entretendo...
Erre:
Você começou com contos e depois migrou para o romance, como e por que se deu
essa mudança?
Marcia:
Não... na realidade eu comecei com poesia, embora todo mundo pense que escreve
poesia no início. Adoro contos, no entanto, me sinto abandonada com os contos,
me sinto mais acompanhada com o romance, porque ele é mais extenso e sinto
menos aquela sensação horrível de agonia quando fico sem ideias ou muito tempo
sem escrever.
Erre: Em
Mosaico de rancores você escreveu capítulos curtos, já A puta é
uma narrativa sem parágrafos, sem capítulos, fale um pouco sobre essas
diferentes estratégias de escrita.
Marcia: Eu
sou meio caótica, minhas narrativas, mesmo na vida real, nunca começam pelo
início, sempre me atrapalho, não sou uma boa contadora de histórias, as coisas
me aparecem por imagens e, além disso, na escrita, acho dispensável quase toda
apresentação, tento colocar só o essencial, embora, às vezes, eu me encante com
a inutilidade de certas cenas.
Erre:
Tanto em Mosaico de rancores quanto em A puta, noto uma certa dispersão
na narrativa, obrigando o/a leitor/a a buscar um fio narrativo que parece que
não existe, o que você pensa disso?
Marcia:
Penso que o fio narrativo não existe, em ambos os livros a tentativa era
retratar o pensamento caótico de personagens perturbadas, e essas perturbações
não deixam que os pensamentos se ordenem de forma lógica. Tenho uma experiência
muito estreita com a loucura e quis aproveitar isso dentro das narrativas. Levando
em conta que todo discurso é polifônico e ilógico em certo sentido, normalmente
dialogamos e cada vez mais nos afastamos dos interlocutores, o discurso é uma
forma de se perder.
Erre:
Percebo também uma recorrência a citações diretas e indiretas, é uma forma de
tentar manter-se conectada de alguma forma à tradição literária?
Marcia:
Não, acho que não uso as citações para me manter conectada às tradições
literárias, utilizo mais como uma forma de elogio aos autores que admiro.
Erre: E
não é uma forma de se agarrar à tradição?
Marcia:
Talvez seja, mas não com a preocupação de se agarrar...
Erre: E
a presença patente e latente do erotismo em suas narrativas, como você pensa
essa questão?
Marcia: Na
verdade foi uma dificuldade me deixar levar pelo erotismo, porque tive medo de
cair em um lugar comum e de povoar o livro apenas com imagens eróticas. Com
certeza ao escrever me controlei bastante para não escrever pornografias
demais, porque as imagens eróticas nos levam sempre além do que queremos, somos
capturados... Tive o cuidado de não me deixar capturar... Não acho A Puta,
por exemplo, tão erótico, considero até pouco erótico.
Erre:
Mas como você vê a relação entre loucura e erotismo, é uma relação necessária?
Marcia:
Não acredito que seja necessária, mas acho que os loucos não têm pudores, não
tendo pudores, eles possuem a chave do erotismo, não existe uma necessidade de
preservação do corpo.
Erre:
Escrever para você é pura vertigem, então?
Marcia:
Não, tento simular vertigens que já conheci. Não é pura vertigem porque sofro
para escrever, embora no livro A Puta posso dizer que me deixei levar
por certas vertigens...
Erre:
Quais?
Marcia:
Não posso falar.
Erre: A
escritora se confunde com a personagem?
Marcia:
Escritora e personagem são duas entidades diferentes, no entanto, é possível
que a personagem com a sua força de convencimento consiga confundir a
escritora, o contrário não.
Erre:
Por que aquelas estranhas notas de rodapé em A puta?
Marcia:
Sabe que eu não sei? Pensei na estrutura, achei que ficava visualmente
interessante e um pouco foi para brincar com o academicismo e sua pretensão de
ser sério.
Erre:
Para você escrever é sofrimento ou prazer?
Marcia:
Prazer e sofrimento ao mesmo tempo. É prazer quando consigo escrever algo que
considero bom, uma imagem impressionante, por exemplo, esses momentos são
raros, todo o resto da escrita é tentativa e, portanto, sofrimento.
Márcia Barbieri é paulista, mestre
em Filosofia (Unifesp) e formada em Letras (Unesp).Publicou os livros de contos
Anéis de Saturno (edição
independente), As mãos mirradas de Deus
(Multifoco), Mosaico de rancores (no
Brasil pela Terracota, na Alemanha pela Clandestino Publikationen) e A Puta (Terracota). Participou de várias
antologias e tem textos publicados nas principais revistas literárias e integra
o Coletivo Púcaro de escritores/as e poetas.
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