sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Alessandro Atanes, para o Porto Literário

É muito conhecida a história do pedido que Kafka fez a seu amigo Max Brod para que destruísse seus manuscritos após sua morte. Também é bem conhecido que Brod preferiu ignorá-lo e assim o século XX descobriu um de seus pilares literários. Isso é o bastante para se afirmar que as obras devem ser mais importantes que as intenções e vontades dos autores sobre elas.

Mas o caso de Kafka é único. O mais comum são inéditos que ficaram pelo caminho, perdidos, inacabados ou simplesmente cujos autores decidiram por não publicá-los. Acabei de ler um destes. É O Terceiro Reich, de Roberto Bolaño, autor sobre o qual tenho me voltado ultimamente. O livro foi lançado em português no primeiro semestre pela Companhia das Letras, que o identifica como “o inédito do autor de 2666 e Os detetives selvagens”.

O Terceiro Reich é datado de 1989, seria assim, se então fosse publicado, o primeiro romance do autor chileno. Apesar de uma narrativa já amadurecida, não muito diferente de sua obra posterior, nota-se ao se comparar o livro com sua obra publicada que Bolaño ainda busca o tom entre as tramas dos personagens e o quadro geral ou pano de fundo. Não me refiro à reconstituição histórica simplesmente, mas ao sentido de tragédia latino-americana que se conhece das duas obras acima e em outras do autor.

Para os admiradores de sua obra, O Terceiro Reich é um dicionário dos temas e tipos que seriam desenvolvidos nos próximos anos: o diário (Os detetives selvagens), a enumeração obsessiva (o capítulo dos crimes em 2666), a história militar (Estrela distante e o capítulo de Archimboldi em 2666), o litoral turístico da Catalunha como cenário (A Pista de gelo), a proximidade com o crime (Una novelita lumpen), o aparecimento de homens misteriosos (Monsieur Pain), a descrição de sonhos dos personagens.

Mas o que falta é a figura do detetive. Em O Terceiro Reich só há um, é o personagem de um romance policial lido por um dos personagens de férias no hotel em uma praia espanhola em que ocorre a maior parte do livro. A figura começa a tomar forma nos anos seguintes, como em Un paseo por la literatura, de 1994, La literatura nazi en América e Estrela distante, ambos de 1996, chegando aos protagonistas de Os detetives selvagens e à parte dos críticos de 2666.

Por outro lado, O Terceiro Reich com 339 páginas na edição brasileira, é bem mais volumoso que outras obras dos anos 80 e 90, o que mostra uma diferença significativa. Estrela distante, A pista de gelo, Monsieur Pain, Una novelita lumpen e outros livros da década têm entre 150 e 190 páginas. La literatura nazi en América, que reúne uma série de textos pequenos, tem 240. Talvez ainda faltasse alguma coisa.

Mas se você já tem todos os livros de um autor do qual gosta, um inédito cai bem. Pena que ainda há uma série de livros de Bolaño ainda sem tradução, apesar da publicação recente em português de 2666 e a de Monsieur Pain, que está saindo da gráfica. Faltam ainda os contos de Llamadas telefónicas, o romance Una novelita lumpen, a prosa poética de Amberes, as biografias inventadas de La literatura nazi en América, uma potência, sem contar sua poesia, que ainda não apareceu em livro em português. Só depois disso, creio, haveria porque publicar uma curiosidade inédita.

Outros artigos sobre a obra de Roberto Bolaño em Porto Literário:
Ficção e biografia em Bolaño
História e literatura em Bolaño

Referência:
Roberto Bolaño. O Terceiro Reich. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

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