Brett Walker |
Por Jean Pierre Chauvin
“Never, never, never,
never.
Never met a girl like you
before” (Edwyn Collins)[1]
Sete de dezembro de 1997, por volta da zero hora. Os dois
amigos estavam no antigo Matrix, rua Aspicuelta. Haviam conseguido uma
mesa no pavimento superior, cercados por vinis e garrafas nas paredes.
O bar ainda estava vazio, quando a mulher de bracelete
atravessou em direção ao bar. Trajava preto
e longo cabelo. Hipnotizado, José silenciou enquanto a observava passar.
César também reparara na criatura, mas o movimento na casa noturna começava e,
decerto, haveria outras figuras a mirar – e, eventualmente, a convidar para
dançar.
José e César ocupavam a mesa havia horas. Maldiziam as
respectivas esposa e namorada, no embalo de cervejas e rock’n’roll. José
se levantara para ir ao banheiro e conhecer melhor a pista. Eis que, numa mesa
do corredor, à esquerda de quem descia, depara com cinco pessoas que
conversavam animadamente.
Lá estava ela, por algum motivo em pé (a verificar se havia
mensagens no pager, a arrumar a carteira de cigarros, ou recuperar as
chaves, sabe-se lá).
Talvez emputecido pela vida que levava, desejoso de ressentir
algo que mexesse com suas cordas; acolher e ser acolhido, catapultado ao
sublime na Pauliceia, sentiu-se tocado. Sem covardia quase nenhuma, descreveu
uma reta etílica até a moça: “Dança comigo?”. Danço.
José retornou mais rápido do que desceu. Pediu conselho a
César: “Lembra-se daquela menina que vimos entrar, mais cedo? Uma loira,
vestida de preto, com bracelete e anéis?”. Lembro, lembro. “Então… perguntei se
ela dançaria comigo”. Ahn. “Ela aceitou!”. Sério? “Você acha que devo voltar lá
agora ou depois?”. José, eu se fosse você ia agora.
Foi.
A mulher de bracelete continuava na mesa. Segunda pergunta:
“Pode ser agora?”. Pode! Na pista, músicas dos anos 80 (especialmente “The
Killing Moon”[2],
do Echo and the Bunnymen). Dança, abraço, beijo. Ele pede seu telefone;
ela lhe entrega um cartão com número da empresa, no Tucuruvi, e e-mail.[3]
Trinta minutos de contato. Ela precisa, precisa ir (os amigos
já a esperam). Ele promete lhe escrever (abrira uma conta de e-mail,
meses atrás).
The kiling time... José estava devastado. Em que lugar do planeta ela estivera? O que fizera até aqui, que não a encontrara?
César estava por perto. Cumprimentou o amigo pela
“conquista”. José não conseguia articular palavra. Walk in silence [4]…
O bar prestes a fechar, César sugere que tomem um café no Frans.
Seguem para lá, em relativo silêncio. Na mesa, olhar furtivo, José declara:
“Não estou sabendo lidar com isso”. Calma, José. Tem sempre the day after.
Calma…
Dois amigos se despedem.
Fora uma boa conversa sobre seus relacionamentos, embora
persistissem em dificuldade para entender suas con(sem)sortes. Fora sublime
abraçar a mulher de bracelete e anéis; ter mirado her “pale blue eyes”[5]
e escutado a sua voz (“era rouca”) no escuro.
José retorna de ônibus para o Jabaquara. Eram sete da manhã,
quando se sentou ao piano. Então, compôs “Mar” e, duas horas depois, enviou uma
mensagem ao pager da mulher. Ele passaria o dia zonzo de ardor e medo.
Segunda-feira, 9 de dezembro, sete e pouco da manhã. Da secretaria, José inaugura as missivas quilométricas para MRA, ao que ela corresponderá em mesma ou maior medida.
Voltariam a se encontrar naquele dia, às dezessete e trinta,
no Aeroporto de Congonhas (“Você conhece o Aerochopp?”).
Terça-feira, 10 de dezembro. Ela lhe envia uma longa
mensagem, via e-mail. (O entusiasmo seria recíproco?). Menciona um
romance de nome esquisito, de um tal José Saramago. À tarde, envia vários
trechos que transcreveu do livro,[6]
supondo acertadamente que ele gostaria de ler/comentar.
José cogita se separar da esposa. O resto é uma história de
amor, susto e percalços.
Um dia ele irá se recompor – verbo quase sempre relativo.
Tomará contato com Saramago, três anos depois – e devorará toda a sua prosa em
pouco tempo. José, aquele, é uma espécie de mentor particular – e também
pretexto para o vínculo com as imagens que guardou, os sons que gravou, as
ideias que trocou com a mulher de bracelete.
Em 9 de novembro de 2017, celebrou vinte anos desta
micro-história, a comentar o Ensaio sobre a Cegueira, que dedicará
à mulher de piercing, tatoo, anéis e bracelete: desvio, caminho,
sentido e pilar.
[1] Do álbum Gorgeous George, 1994.
[2] Do álbum Ocean Rain, 1984.
[3] dial@that.com, salvo
engano. O número de telefone começava por 6952, se a memória não falha.
[4] Single do Joy Division, 1980.
[5] “Thought
of you as my mountaintop/Thought of you as my peak/Thought of you as
everything/I've had, but couldn't keep” (do álbum The Velvet Underground,
1969).
[6]Ensaio sobre a Cegueira, 1995. Mais
tarde, toparia com a descrição de Blimunda, aplicável a M.R.A.: “Baltasar
Mateus, o Sete-Sóis, está calado, apenas olha fixamente Blimunda, e de cada vez
que ela o olha a ele sente um aperto na boca do estômago, porque olhos como
estes nunca se viram, claros de cinzento, ou verde, ou azul, que com a luz de
fora variam ou o pensamento de dentro, e às vezes tornam-se negros nocturnos ou
brancos brilhantes como lascado carvão de pedra” (Memorial do Convento,
Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 8a ed., p. 55).
Um pouco resumido demais. As referências musicais dão um tom caraterístico e a ambiência de forma mais eficaz do que o texto. Pas mal!
ResponderExcluirGostei