Por Ademir Demarchi
Uma poética da inadaptação
Com dois livros
publicados, Nelson Alexandre enfatizou uma estética que se pode dizer da
inadaptação (muito bem definidas nos títulos) com personagens vivendo à margem econômica
da sociedade mas com imaginação fantasiosa: suas mentes parecem ocupadas por
filmes de Hollywood a ponto de ditarem suas ações, porém, mal acontecendo, são
sempre falidas pela realidade no encontro com o que verdadeiramente são.
De
conto em conto, no livro Paridos e rejeitados, de poema em poema, no livro Poemas para quem não me quer (ambos pela editora Multifoco) esses personagens são o tempo todo atravessados
por referências fílmicas e literárias, querendo ser mais que os seres frágeis
que são.
Na leitura vamos tropeçando em fantasias de beberrões que gostariam de
ter vindo de Bukowski, de ambientes ou de personagens de David Lynch, como um
que se sente o Homem Elefante rejeitado e com baixa auto-estima, assim como fantasmas
de Henry Miller, de Céline ou de Rimbaud.
Sintetizam-se num ex-jogador de
futebol que, falido em sua tentativa de jogar, acaba torcedor de futebol vestindo
uma eterna camisa do time como se estivesse em campo em todo lugar que vai... Na
impossibilidade de transformar em pele a camisa, resta o plano de tatuar o
distintivo do time como se, com isso, se ganhasse distinção...
A formação sentimental desses personagens é
edulcorada por filmes como Love Story mas danada por um quartinho de fundos
que expurga todo o romantismo que possa existir, onde se é casado com uma
boneca inflável.
“Paralítico com pernas de jogador de futebol”, o personagem
que se multiplica no livro de contos em sucessivas metamorfoses vai, num átimo,
de Dom Quixote para o taxista vivido por De Niro em Taxi Driver, podendo se
transformar num “Homem que Murchava”, inapetente por irreconciliado com seu
sentimento, ou seja, um idiota quase total, conforme citação de Kerouac.
Tudo se passa “em algum lugar do norte do Paraná”,
numa improvável cidade chamada “Space City”, de codinome Maringá, “cidade em
que as árvores respiram o monóxido de carbono dos milhares de carros que
trafegam por suas ruas e avenidas estreitas como veias entupidas com vaselina
ou gordura de torresmo de porco”.
Essa cidade que se vende verde e bela vai se
desfigurando nessas ficções como naquele filme de David Lynch, Veludo Azul, em
que a câmera vai chegando na cidade, numa bela casa e seu jardim, fechando foco
na grama artificial de plástico em meio à qual aparece um dedo amputado.
Nessa
Space City, portanto, que também poderia ser a de Twin Peaks, como num estúdio
de Los Angeles, Nelson Alexandre esbarra o tempo todo em zumbis e cadáveres.
Nela
se convive com gente querendo ser a cantora Madona, mais para balzaquiana num
quadro de Bosch, com sujeitos insanos como
“Bigatão” que cresceu comendo goiabas com larvas, ou malucos querendo colocar
em prática o filme O massacre da serra elétrica, cujo narrador, ironizando
essa vida à fantasia, finalmente o executa em seu chefe para se sentir livre e para
alertar que a serra não era elétrica, mas à gasolina...
Space City tem uma
conexão espelhada em Sinop, outro cancro criado na vegetação do Mato Grosso,
como também nas zonas de prostíbulos, como o “Mar de Netuno”, uma área à margem
da fantasmagórica Rodovia do Café, entre Sarandi e Marialva, no norte do Paraná, com escravas à
disposição.
Não à toa Hunther Thompson é personagem de um dos contos: criador
do “estilo gonzo”, que tentou por mais uma vez acabar com a distinção entre
autor e personagem, ou seja, entre ficção e não-ficção.
É a aposta de Nelson
Alexandre, que já demonstrou capacidade e imaginação em recriar a cidade.
Bastaria agora, com o exercício feito, depurar o excesso de citações e tantas
referências e criar os romances e tramas que a cidade está pedindo.
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