Imagem de Antonello Silverini
Por Flávio Viegas Amoreira
A literatura brasileira num sentido amplo e sem precedentes
de criação não só em quantidade, mas densidade e cosmopolitismo vive momento
gozozamente rico: inaprenssível literatura do estilhaço, quando por razões
cibernéticas e mutações urbanas, não existem centros canônicos e em definitivo
nos libertamos de todas peias: acadêmicas, de patotas de redação e 'tchurmas" ungindo e validando a produção dum escritor. Que o arrivismo, o nepotismo e os jogos de influência persistem, isso é
da razão do "mercado editorial", da
companhia das índias autorais, não da insurgência desdobrado-se como Literatura de resistência através de contaminações virtuosas de
pequenas editoras, descentralização dos
eixos de divulgação, desnormatização através de suportes heterodoxos. Levando em consideração esse renascimento "hightech" internético que
não cria conteúdo, mas forja espaços para neoconstruções narrativas, poéticas e retroalimentação de
gêneros entre pontes artísticas
inauditas. Nascido num porto mítico
próximo a megalópole, ainda adolescente vibrava com escritores saídos pela "Massao
Ohn" ou "Brasiliense": ainda assim não me encorajava até os 25 anos batendo em porta de editora:
freqüentava os bares, sebos e teatros undergrounds do cais de Santos, da Teodoro Sampaio em Sampa e da Barata Ribeiro no Rio. Que chances
tinha um escritor "cabaço" de convívio literário, fora dos muros da USP, de esquerda
enquanto ruía o muro, gay temeroso quando a Aids surgia, encontrar
uma porta naquele fim de ditadura brasileira? Ver Plínio Marcos, meu
conterrâneo, pelo Copan, e João Antônio, por Copacabana, era o máximo de
concretude de que existiam escritores pelas ruas feito eu! Anotava
sofregamente em cadernos infindáveis com
um olho em Rilke e outro em Wilson Martins,
lendo tudo de Haroldo de Campos sem descuidar dos livros de Afonso Romano: além das ortodoxias dicotômicas, um escritor precisava ter um
galho na PUC ou na Folha: eu me
imaginava já quase aos 30 anos um poeta
na gaveta. Eis que surge a facilidade do
e-mail para esse "panicoso bipolar", sou editado pela já
antológica 7 Letras, surgem chats
literários com João Silvério Trevisan,
blogs dos autores das "Gerações
90" e "Zero Zero", megaportais como o
Cronópios e convites para intermináveis
saraus em transe: a re-descoberta da literatura pelo teatro, cinema e artes
plásticas. A Literatura não nos faz reféns dos ditames monolíticos do mercado,
encontramos brechas deleuzianas,
produzimos em larga escala no universo digital concomitante à produção
de livros artesanais pela "Dulcinéia Catadora": a TranZmodernidade me
salvou do alcoolismo inédito.... sem ufanismo em retrospecto: mas me
impressiona a quantidade de jovens interessados em Alta Literatura ainda que começando presos a "punheta bukowskiana"; enquanto eu esperava anos para ler Lautréammont, eles podem comprar em pocketbook nas
bancas e quando imagino na luta para
comprar Cioran, vejo que suas obras
completas são clicadas e ruminadas com sutileza chinesa por Rimbauds da Vila Madalena! Só o que falta é política pública para
leitura: o Brasil ainda não está altura da profundez de sua escritura. Criar demanda interna, ultrapassar a antropofagia levando ao mundo nossa imagética: vamos
criar o "boom brasileiro"! a Rua Augusta tem mais valores literários que
os convescotes livreiros de Paraty a Bloomsbury inteiro.
[Flávio Viegas Amoreira, escritor e jornalista]
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