Senhora Amargura (Fotografia de Solange Cremasco)
Por Marco Aurélio
Cremasco
Sentou-se frente
à tela, desligada, observando-se em reflexo difuso. – Sou aquela ali. O olhar
revela e a experiência desintegra. Sou quem trança o traçado das horas nas
contas de olhos desafortunados. Sou a velocidade do desprezo, o verde do sinal
vermelho e a pressa no apito do trem. Também sou desmemoriada e desmedida no despacho
esquecido nas esquinas. Sou a face calada; e-mail embebido de perfume vagabundo
que nunca foi postado. Sobrevivo nos bueiros e me alimento de carcaças. Pudera,
nasci no ventre da escória e desconheço qualquer coisa que leve pouco mais do
que dez segundos. Sou o parapeito da janela secular que guarda a sombra de quem
há muito se foi, como também sou aquele suspiro que o vento não resgatou. Sou a
intolerância de quem é interrompida no instante do gozo, pois o meu momento é
fácil e não preciso me preocupar. Sou o que é de ser: para amanhã, jamais.
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