segunda-feira, 16 de março de 2015



Por Márcia Costa
Fotos: Evandro Rota

Caminhando ao lado da platéia, em direção ao palco, Gero Camilo, ou melhor, Van Gogh, se aproxima do cenário montado no Sesc Campo Limpo (São Paulo). Vem acompanhado de sua memorável cadeira, da sua maleta de pintura, do chapéu e dos girassóis. “Todos os caminhos levam ao Sul”, brada o artista.

Estamos em 1888, em Arles, Sul da França, quando Van Gogh abre as portas da Casa Amarela, espaço que sonhou para artistas como ele, Paul Gaugin e Toulose Loutrec. “O mundo é o relento. Aqui será a casa dos Van Gogh. Não estamos aqui por mérito, estamos aqui por necessidade”.

Ali, na casa-arte, Van Gogh travou diálogos e lutas com Gaugin, com o universo, com ele mesmo. Mesmo assim, nunca cessou seu pincel. “Eu amo pintar pessoas. Por que eu amo pessoas. Dialogo com quem pinto. Se a pessoa não quer conversar, dialogo no silêncio”. No ato violento de arrancar a própria orelha, consumou a agonia de viver. “É mais fácil morrer”, desabafou o artista que em vida vendeu apenas um dos 700 quadros que produziu.


Em Arles, Van Gogh pintou a série “Os Girassóis”. Na Casa Amarela, entre devaneios, reflexões e criações, o pintor nos lança desafios, interrogações sobre a arte de viver e sobre viver de arte: “Vale a pena matar por um ideal”? “Um quadro tem fim ou ele é arrancado da gente?” “O que seria da plateia se fôssemos sérios”? “Não há coerência sem delírios”. “Tudo é feito para serenar um dia”. Questionava, principalmente, a coerência e a racionalidade que tentam apagar a vastidão do sexto sentido.

São poucas as falas do texto proferidas por Van Gogh. Para pintar o artista no palco, Gero, que como Van Gogh, um dia pensou em ser padre, passou um mês em Amsterdam, onde há um museu dedicado à obra do pintor. Também visitou a pequena Zundert, onde ele nasceu. A pesquisa, mais do que ajudar o artista a adentrar a alma de Van Gogh,  permitiu-lhe mesclar seu pensamento ao do pintor. “[Na peça] sou eu voltando ao passado de Van Gogh e ele vindo para o futuro. Van Gogh é muito mais do que a psicanálise tenta taxá-lo. Era um espírito revolucionário, inquieto”, analisa.



De Van Gogh, Gero destaca a visão política, estética e artística. “O pensamento ideológico, plástico e político, a postura dele me interessam”. Para encená-lo, buscou causar vertigem no público para, assim, aproximar as pessoas da sua pintura. “Embaralho a cabeça do público. Para isso, eu me misturo a ele”. 

No palco, pintura e teatro convergem. “Uso o contato e a dança de improviso, que gera imagem, que gera cena. O desenho físico do espetáculo é uma preocupação minha. Uso o corpo como um pincel. Pinto o palco com meu corpo”.

A seguir, trechos do texto escrito pelo autor, publicado sob o título A Casa Amarela (Editora Giostri):

Quantas vezes na vida se pode abrir uma porta...
Hoje eu posso. Ou devo. Quer dizer, tenho em minha mão uma chave. E é desta porta, bem sei. Podia abrir outra porta. E é capaz de abrir outras portas. Essas chaves são fáceis de serem copiadas e abrem outras portas.
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Não se pode descobrir ciências sem delírios. Mente quem diz.
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Há uma dose grande de desequilíbrio no desafio da corda bamba, que se não tremer não encanta. O mesmo ocorre com a dança. O mesmo com a pintura. O mesmo com o teatro. O mesmo comigo.
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O peregrino não quer ser peregrino. O peregrino apenas é peregrino. O caminho não quer ser camiho. O caminho apenas é caminho. O artista não quis ser artista, o artista apenas quis ser.
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Nasci numa cidade pequena e gosto disso. Gosto do ser pequeno. O que me faz pensar grande.
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Como classificar nossa arte como trabalho? Vejamos, isso se dá de achar que profissões existem.
Se cada vez mais as pessoas se limitarem às suas profissões as variações de amor, de humor, serão catastróficas porque correm o risco de irem definitivamente para o campo da ciência integralista, perdendo com isso seu sexto sentido e havendo portanto um colapso geral nas relaões.
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Desengança

Eu não quero feitiços nem amebas. Estou paralisado e farto
Do insistente repouso das coisas.
Um irmão de aqui perto assombre
Dei-lhe amor
E o susto me causou dor.

Eu tenho os braços em forma de concha
Quando a maré chora, eu seco.
A água que a pia dispersa, eu rego.
Tenho a cabeça que é um buraco no espaço.
Só não alcanço teus galhos,
Árvore humana,
Irmão meu,
Eu tenho dois olhos verdes
E uns galhos de afetos podados
Além dos pés de outono.

Vem me prometer.
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Uma paleta de cores, uns acordes de sons primários e o pincel dissonante lambendo a tela com ruídos e melodias que basta um assobio pra que o cego ao lado também participe da experiência.
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E ainda que pequenos somos, nesse jeito de contar que temos grande, tudo é feito como que para serenar um dia. É só que se estamos aqui, pra matar o tempo que a nossa vida mata, parafraseando um velho amigo que amo, Paul Gauguin: um velho amigo que amo, Paul Gauguin: De onde viemos: Quem Somos? Para onde Vamos?



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