segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Por Ademir Demarchi, um conto-homenagem a Plínio Marcos

Vindo dum cirquinho mambembe perdido no interior do Estado, o anão saiu da rodoviária de teto multicolorido lá na Estação da Luz e logo se esqueceu de suas cores para se perder em gracejos às putas que foi encontrando pelo caminho naquele centrão de São Paulo. Não tinha como: de olhos esbugalhados, o anão os tinha na altura das coxas das moças, umas magricelas desnutridas de toda espécie que chegaram antes dele de todos os lugares se derramando por aquela rodoviária. Aqueles olhos entre esbugalhados e tortos que se combinavam com os dentes brancos à mostra deviam ter alguma miopia pra não ver a pobreza daquelas mulheres, mas anão é anão, ainda mais de circo, se relaciona com todo mundo, faz gracejo e toca em frente. Atravessou o centro, cruzou a malfadada Ipiranga com a São João, deu uma sondada nuns camelôs na República e foi parar lá no Copan. Tirou um folheto do bolso e conferiu o andar e o apartamento anotados a caneta atrás do anúncio:

plinio

Bateu na porta. Dali a pouco abriu, um cara de barba por fazer e sonolento perguntou:
- Que que foi, anão, que que tá espancando a porta, não alcança a campainha, não? O anão não se fez de rogado:
- Estava esperando você vir se deitar aqui no chão pra eu alcançar...
-Tá, tá, já vi tudo. Vai entrando. Que que tá pegando?
-Vim saber do tarô, a Mulher Barbada do Gran Circus Atlas me entregou seu esconderijo.
-Catzo! A Fidélia ainda tá com a barba por fazer?!?!
-Bem que ela anda procurando barbeiro pra se casar, mas nunca dá certo porque na hora do vamos ver ela descobre que se em casa de ferreiro o espeto é de pau, em casa de barbeiro a navalha é cega.
-Vai senta aí que eu vou puxar as cartas. Lá vai a primeira. Ih, tá com sorte, anão, pintou a Morte: fica frio que não é tua vez ainda. Ela só tá anunciando que é hora de encerrar uma fase da tua vida, se liga, pode ser fim de emprego, fim de caso. Hora de começar tudo de novo, a mesma merda de sempre.
- Ah, mulher não é, que tenho pau grande demais pra ficar amarrado em rabo curto. Só pode ser aquele Grandecíssimo Circus que não Atlas nem desatlas. Tô caindo fora, eles não reconhecem meu talento avantajado pra fazer apresentações.
- Segunda: o Imperador. Ah, taí, potência masculina, iniciativa, liderança, isso tá nessa tua nova fase, anão.
- Já sei, deve ser com o meu pau, eu sabia, é grande, não está tendo o valor expositivo que merece naquele cirquinho de lixo!
-Lá vai, última carta: Diabo. Confirmou, anão: tem sexo na parada, tem sedução, desejo, mas pode ter traição também. Manda aí, 20 paus e tchau.
O anão sumiu. Um mês depois o tarólogo leu no jornal: “Anão dinamarquês estréia na Boca do Lixo em casa de shows de sexo explícito, apresentando membro sexual avantajado e malabarismos com 5 cadelinhas amestradas”.
Dias após a Mulher Barbada ligou lá de onde perambulava o Gran Circus Atlas: o anão deu um golpe aqui, fugiu com as cadelinhas da velha Zolá, coitadinhas, todas de vestidinho rosa, touca na cabeça...”.
Ela não entendeu, o tarólogo estava falando com as cartas, a bola de cristal ou com o próprio umbigo: “eu não disse que tinha traição?!?...”

* A imagem acima, “Plínio Marcos – Tarô” foi escaneada de um folheto que era distribuído pelo escritor.

2 comentários:

  1. Excelente o conto do anão, por Ademir Demarchi. Grande Ademir, parabéns! Mande outros!

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  2. Conto muito bem escrito. A homenagem a Plínio Marcos é duplamente justa: relembra o dramaturgo e bota dois ótimos prosadores em diálogo. Um abraço.

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