quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Por Adauto Nogueira

“A Carranca” foi feita em folha seca de coqueiro e foi um presente para o dono do estabelecimento que o nosso herói mora

Essa é uma história de violência. Agora vai de você, leitor, saber atentar para o que se deve e interpretar o que realmente importa. É fácil demais se perder numa história como esta, principalmente se suas lentes foram forjadas no caldo vil do preconceito. Como já dizia Criolo: tenha cuidado “quando uma pessoa te apresenta o caminho mais curto”. Aqui não tem caminho curto; essa é, principalmente, uma história de reflexão, daquelas que não se permite atalhos e que pune aqueles na contramão. 

É sobretudo um panorama do que é o Brasil sintetizado em um só capitão; se Jorge Amado tem seus capitães de areia, eu tenho os meus de asfalto, todos em um ou seria um em todos? Uma resposta que não consigo elaborar e farei de tudo para que sua resolução seja impossível neste texto. Puno-os com esta pena sem pena nenhuma de ti. As faces que vocês nunca enxergaram terão no desconhecimento deste texto o castigo para as suas cegueiras sociais.

& não adianta reclamar agora, se por ele você já passou, até já pagou, talvez desviou, mas não viu! A história de violência aqui já começa pela invisibilidade do astro, e olha que não foi por falta de brilho que esta estrela não é vista... É por falta de sensibilidade mesmo, não nos olhos, mas da alma.

A fome o desperta 7h da manhã naquele frio que só uma cidade no interior de São Paulo poderia apresentar, uma cidade que tem suas peculiaridades; um presidente quase foi assassinado por um atentado a bomba aqui só para começar, quer algo mais peculiar que isso? Também tem, oras: é a cidade que sofre uma espécie de inveja aguda de monumentos, pois só em seu território há três réplicas diferentes de monumentos mundialmente conhecidos. É nesta diferente cidade que ele nasceu, cresceu, até já enriqueceu e perdeu tudo; que vive e pretende morrer, mas sobretudo vencer, de novo. Mas pra vencer, primeiro ele tem que matar essa fome.

 Ontem ele só tinha comido dois pães velhos com margarina e uma coxinha de posto “vencida”. Os dois corotes de limão que carrega serviram apenas para manter sua temperatura no inverno. Se tinha uma manta era muito, seria muito perverso da minha parte se dissesse que aquilo era uma manta. Era um pedaço de pano, mais grosso, que mal o cobria por inteiro. Algo totalmente ineficaz para protegê-lo do sereno da madrugada. O jaco preto da Billabong era o que não o fazia desmaiar, assim como o restinho quente do que sobrou na barrigudinha. Sua fome se transformava em força, ou era isso ou “caía ali mesmo”; ele sabia a dor da fome e que isso só pioraria, sabia também que poucos estabelecimentos estavam abertos e que a essa hora não conseguiria ajuda de ninguém acordando as pessoas. Então, a única solução que arrumou era completar os R$ 0,75 que tinha no bolso para um pingado. E lá foi nosso herói em busca de R$ 1,25 centavos.

Aqui paro porque é preciso. Duas moedas que muitos perdem no buraco negro de seus sofás e que para serem encontradas por ele foi foda. Se para você esse valor seria fácil de se adquirir, saiba que hoje sim, mas nessa época “era foda. Você não ter um banho te afasta das pessoas, e era pra fazer aproximar. A rua é foda, tio! Tudo reverso!”. Eu diria que tudo inverso, os valores em destaque. Se a humanidade existe, aqui na Terra ela é uma fábula. E a rua é a tese que comprova a sua inexistência. Reflexivo como todo sobrevivente, ele escarra na sua cara, com certeza, se é que entendeu a mensagem. Se não entendeu, deglutimos para ti.

Já tinha chegado à conclusão de que quando ele mais precisava, menos recebia. Quanto mais surrado por essa sociedade, mais essa sociedade menos zelava por suas feridas. “Se tivesse com banho tomado eu descolaria a grana em dois pês, mai tá ligado, né”. Tá ligado que a sociedade é higienista, racista, meritocrática e fundamentalmente capitalista e nada que ele fizesse nessa manhã mudaria sua vil persona, restava encarar essa quimera, de tantas faces e monstros fundidos, com a coragem que só um capitão de asfalto é capaz de ter. “Já dizia Racionais né, tio; ‘Parasita hoje, um coitado amanhã. Corrida hoje, vitória amanhã.’ Tem que ir atrás dos corre, na rua nada é de grátis”.

Foi em três padarias diferentes – dado o número escasso de padarias nessa cidade, eu diria que ele foi em todas – e não conseguiu completar o pingado. Apenas uma das atendentes, e só da terceira padaria, que quase se sensibilizou, mas o dono apareceu de repente achincalhando com toda educação que lhe fora dada. “Sai daqui! Seu vagabundo! Olha lá, tá com um corote na mão! VAI TRABALHAR!” Dessa vez saiu com raiva do mundo, mandou o dono e toda a geração dele pra puta que pariu e seguiu seu corre. O relógio já batia na casa das 10h e foi somente aí, no farol, que conseguiu completar seu pingado. Obteve até mais, graças ao Corsa branco que lhe dera dois reais, unindo com o que já tinha, sua conta bancária de bolso ficou em R$ 4,65 ou “um pingado e dois pães na chapa”. E assim matou seu primeiro leão do dia.

O trabalho o desperta às 6h da matina. Já que estamos falando de tempo, o tempo do relógio, aqui paramos novamente para explicar que a tinta deste papel foi retirada da bile de Kairos¹. Se seguir o tempo do cosmo, o cronológico, se perderá. É sempre o agora: Kairos: Na mitologia grega, o deus do tempo oportuno. (...) Os gregos antigos tinham duas palavras para o tempo que conta e esse agora não pode passar: chronos e kairós. Enquanto o primeiro refere-se ao tempo cronológico ou sequencial (o tempo que se mede, de natureza quantitativa), Kairós possui natureza qualitativa, o momento indeterminado no tempo em que algo especial acontece: a experiência do momento oportuno.

Por isso ele levanta de solavanco ignorando o sono e o cansaço do dia anterior, o dia em que descolou esse trabalho. O herói tem que retirar uma pilha de entulhos de uma república de estudantes para garantir mais R$ 25  hoje. A outra parte, do mesmo valor, foi dada ontem na madrugada que parou na Rua Laiconi Sissa 2-73. Não conhecia a galera, estava todo surrado, precisando urgente de um banho, felizmente estava alimentado, mas era só por algumas poucas horas, já pensava na janta do amanhã. Bateu palmas três vezes até que um moleque “careca-cabeludo” de blusão preto escrito Jornalismo apareceu. “Salve!” “Ou, ceis tão precisando que tire esse mato todo daí?” “Nossa cara, até precisamos, mas peraí”. O moleque entrou e ficou alguns breves segundos dentro de casa, estava falando com outros, que logo cruzam a porta e aparecem. São três contando com o primeiro, um alto com cabelo raspado e outro com moicano e barba rala. A conversa desenrola, ele conta sua vida em breves flashes, se enturma pelo skateboard, descobre que a república se chama Arrisca e que conseguiria o bico e logo um adiantamento. Mas o que mais ele queria era sem sombra de dúvida o banho, que descolou. “Descolei um banho, mas antes tinha que conquistar a confiança deles.” Quis mostrar serviço e nesta madruga mesmo descarregou dois carrinhos de mato no terreno baldio perto dali. Depois finalmente tomou seu banho sagrado que tanto desejava e foi deitar exaurido no banco duro de uma praça ali por perto, alegremente limpo.

O grosso deixou para hoje que é sexta, dia de festa. Foi recebido pelo mais alto de cabelo raspado e na humildade pediu um café; o mais alto disse que não tinha café, mas que ele tinha uns pães com frios e que buscaria. Enquanto esperava seu dejejum, já analisava quantas rodadas daria com aquele bendito carrinho de supermercado que pouca coisa cabia. “Vai ser foda.” Pensou, mas “vim da selva sou leão tio, tenho medo de trabalho não. Fiz o corre antes do sol se pôr e ainda ganhei um beck dos moleques. Minha família hoje em dia”. Sempre que pode cola nessa república para tomar um banho atualmente. Bobo nem nada, com R$ 20 recebidos de hoje “fez o dinheiro rodar” lá no Nicéia ao pegar quatro parangas de maconha. Sabia que se ficasse por ali, na madrugada da festa, iria “fazer 100% em uma noite e ainda descolaria uns trocados cuidando dos carros que ali estacionam”. Nesse dia tornou-se o dono da rua. “Ai tomei posse. Agora quem quiser cuidar dos carros nessa região tem que falar comigo. Sem ideia. Aqui tem leis fi, safado não atravessa não”. Suspirou cheio de pompa, rindo com um cigarro Eight na boca olhando os carros passarem, enquanto um dos festeiros, que por acaso é o morador de moicano, mija no pau-brasil que há em frente ao portão da sua casa que pulsa em “Vai Malandra”, novo hit de Anitta. O mijão, seco por chá, deposita dez reais no bolso do nosso herói e entra satisfeito com a erva que recebeu. Nesse dia ganhou R$ 75 e um título: o Capitão da Praça da Guerra.

Um pesadelo o desperta às 7h da matina. Viveu um passado já tão distante em forma de elipses atemporais e escuras. Estava mais jovem uns 15 anos e percebia isso apenas pela pouca quantidade de tatuagem em seu braço. Não tinha o tribal que tanto gosta, assim como ainda não havia aquele palhaço sombrio em sua perna direita. O pesadelo o situava naquele que seria “o melhor momento da minha vida”. Estava num galpão que hoje esqueceu deliberadamente onde fica, todo escuro, a não ser por uma luz oriunda de uma lamparina caseira que iluminava o motor de um GTI 1999. Estava exausto de tanto trabalho “não é fácil depenar um GTI em dois dias”, mas era sua função e ninguém lá sabia melhor que ele. Se intitulava como o maior vapor de metal do interior de São Paulo. “Se você me dar uma chave de boca, uma de fenda e mais duas ou três chaves, fi, eu abro seu carro todinho”. E vivia assim, muito bem, fazendo parte deste mundo. Era o único mundo que conhecia ou aquele que mais o reconhecia – e isso tem seu valor. Sua infância difícil, de um pai alcoólatra, punidor e ausente, e uma mãe doente, que recebia maus tratos, não é desculpa para sua realidade atual, mas com certeza influiu. “Eu sabia tudo que estava fazendo, era oportunidade que me deram para salvar minha mãe! Saca? Tirar dois contos por semana, pô? Nois é pobre, mai não é troxa”. Apesar das melhores intenções, a vida do crime não é conhecida por proporcionar estabilidade. O pesadelo em si já evidencia isso e “desenrola”.

“Estava escuro, mas logo sirenes e os giroflex aparecem pelas frestas das janelas no som de viaturas 4x4. Eram duas. De ouvido já me liguei”. Aqui ele mesmo abre um parêntese, “mano, se tem uma coisa que eu manjo é ronco de motor. É tipo radar, tá ligado? Detecto de longe!” E isso o fez gelar na hora. A casa caiu! Ele estava sozinho no galpão e, com certeza, levaria a culpa de tudo. “Armaram pra mim, certeza. Esses filhos da puta armaram pra mim”. Nesse breve instante só conseguia pensar em duas coisas: uma rota de fuga e como mataria o filho da puta que armou tudo isso. Esperto que era, logo que chegou nesse local há dois dias já arquitetou uma possível rota. Fugir do galpão era a primeira coisa que devia fazer e fez. Subiu na janela oposta ao portão principal e usou uma das árvores para descer sem fazer muito barulho. Imprimiu velocidade nas frestas escuras da mata de araucárias, conseguiu desvencilhar das lanternas acesas, só não contava com os cães farejadores. Toda tentativa de imprimir mais velocidade foi inutilizada quando soltaram os cães. Era humanamente impossível fugir deles. Dois rottweilers pretos disparam e em poucos segundos já estavam em seu calcanhar. Foi nas primeiras mordidas que despertou do pesadelo, naquilo que chama atualmente de casa.

O que antes era reservatório para lenha de uma padaria perto da Praça da Guerra, hoje é um quartinho todo enfeitado por ele. É bem pequeno, tem no máximo 2x3m², mas é o suficiente para quem acordava no sereno. Nele abriga uma estante sob blocos de barro onde guarda seus tênis, essa estante na verdade é o altar de seu santuário, abrigando Nossa Senhora da Aparecida, a imagem de Cosme e Damião e um presépio feito de plástico. “Eu tinha que arrumar um espacinho para meus santos. Sabe como é, né? Na rua você tem que ter proteção divina”. Nesse santo altar também abriga outra coisa sacra para o nosso anfitrião, o shape do seu skate. “É soldado de guerra esse shape aí, até já tive outro, mas quebrou”. No quartinho não cabe muitas coisas, mas foi nele que encontrou a esperança. “Agora que o dono me deixou ficar, já consigo juntar minha graninha. Ter um espaço para dormir sem temer os outros é uma benção. Agradeço sempre aos meus santos por ter me dado essa oportunidade”. Além disso lá cabem apenas um colchão, uma caixinha de som do tamanho de um shampoo, umas três, quatro mochilas que contêm suas roupas e, por fim, suas obras. Quadros, máscaras e tudo que sua criatividade permitir e as tintas deixarem.

 O pesadelo ao menos lhe rendeu frutos: uma inspiração avassaladora e uma imagem na cabeça. “É, meu chapa, o crime é artista”.


Santuário da Senhora da Aparecida e de Cosme Damião na casa-quarto do Capitão


A dor o desperta. Dor nos punhos. Dói demais. Essa semana foi intensa para este anti-herói, ele conseguiu descolar outros bicos, também em repúblicas. Descobriu que, em sua grande maioria, são essas casas que lhe oferecem emprego e principalmente o básico, um banho. Cortou o jardim de duas reps, uma delas foi indicação da Arrisca e as anfitriãs desta indicação foram “superfirmezas” com ele. “Elas me pagaram cinquentão logo de prima, prepararam um almoço e ainda me deixaram tomar banho”. Não mencionou, mas ainda fizeram o curativo com gaze e pomada anti-inflamatória na mão que tanto lateja. Sua mão esquerda estava toda inchada, os três anéis nela, dois de prata e um biju, não conseguiam sair de jeito nenhum, estavam entalados na circulação roxa de suas lesões, mas nada que o fizesse parar de trabalhar. Essas dores também eram fruto de seu trabalho, querendo ou não. “Fiquei três semanas com o braço inchado, mas o safado aprendeu”. O safado era o Canela, outro comum em situação de rua, porém, muito mais surrado – e pela lógica d(est)a realidade – mais desamparado que este Capitão. Já era o dono do lugar e isso gerava uma condição: nenhum safado poderia roubar ali. “Foi por isso que Canela virou pó. Surrei ele até ele pedir perdão e minha mão arrego. Tem essa não. Se cidade tem dono, a rua também. Na minha quebrada não”. E tem suas leis e suas regras. Se ali tiver muito furto, poucos carros pararão, menos uma renda e mais trabalho para nosso Capitão, por isso a lição. “Ninguém roba na minha quebrada, tá ligado?”. Foi assim que na Praça da Guerra reduziu as chamadas policiais. O Estado falará que foi por causa de planos de inteligência e fiscalização, da integração inteligentíssima da Polícia Civil com a Militar ou qualquer outra baboseira eleitoral, mas na real sabemos quem fez a diferença.

“Uma vez veio um verme (policial) e eu estava cuidando dos carros como sempre, de boa, no serviço, aí ele puxou conversa comigo e eu desenrolei, depois que ele desencanou de mim perguntei há quanto tempo não tinha uma ocorrência aqui, ele respondeu que fazia meses. O tempo que tomei conta da rua parça. Tá ligado?”. A rua tem suas éticas.

Já era noite, perto da “faculdade dos boys”. Estava andando de bike e jaco vermelho o trajeto que sempre fez. Tinha acabado de pegar o corre “dos moleques” em direção ao seu trabalho rotineiro. Mas ali avistou um desavisado. “Sabe como é, né? Cavalo selado não passa duas vezes não, irmão”. Depois só tirou o jaco, trocou de roupa, “tá limpo”. A falta de iluminação protegia sua identidade e o confundia com qualquer outro ciclista. “Daí levei o corre pros moleques e voltei de boa pro trampo”. Essa noite foi deveras longa. Era um domingo, só por isso a praça fica absolutamente abarrotada de gente, logo abarrotada de carros. “O último carro só foi sair lá pras 3h da matina. E ainda me descolou dois conto, suave”.

- Mas não foi nesse dia que você ganhou na loteria?

“Esse dia foi palhaçaaaaada tio! Você nem acredita. Já tinha descolado uns R$ 30 só cuidando de carro, aí tava sentado, louco por uma coca-cola quando vejo no chão um Moto GX. Parça! Era Deus falando comigo certeza!” Olhou pros dois lados, viu que não tinha ninguém, que a praça estava vazia e apanhou o celular desligando-o imediatamente. “Tô ligado que esses caros têm GPS”. Querendo ressaltar o rastreador, comum em aparelhos absurdamente caros como esse que achou. “É aquele velho ditado, né, achado não é roubado.”  Foi dormir às 4h da manhã para conseguir um trocado nele. Conseguiu juntar um dinheirinho para comprar a tão sonhada moto e ainda teve o luxo de um extra na compra de tintas a óleo, tão caras. Dormiu segurando toda quantia que tinha. Não teve pesadelos dessa vez. Sonhou que viajava com sua moto para Guarujá, fazia tempo que ele não via o mar.

A inspiração o desperta de novo. “Eu tinha que terminar esse quadro, cara”. Estava mais de uma semana pintando e não acabava, mas “acordei cedinho para terminá-lo. Peguei as tintas novas que havia comprado ontem e as misturei. Deu a cor certinha que estava pensando em pintar esse vestido”. A moça era a garota que ele andava ficando. Era um presente e queria terminá-lo logo, antes que ela desaparecesse como faziam sempre as outras. Seus traços rústicos e fortes faziam da tela uma moça com cabelos longos e pretos e um sorriso visível pela inclinação de seu pescoço. O vestido era de um vermelho quase que sangue. Nomeou de “Suzy” como o nome da presenteada, um desenho inspirado em sua “Cigana de Vermelho”, que guarda como a obra mais importante de seu acervo.

Sua arte lhe representava muito bem. Em seu ateliê-casa, que outrora já abrigou toras e toras de madeira, há várias folhas secas de coqueiros que estão expostas no teto. Folhas transformadas na tinta em máscaras sombrias, embora coloridas, que aparentam expressões bem típicas dessa sua realidade. Medo, angústia, fome, terror... São apenas algumas das faces expressas em vegetal. Carrancas também fazem parte do universo artístico deste capitão-artista. Inclusive, presenteara com uma carranca o dono do novo estabelecimento, por lhe permitir dormir neste quartinho improvisado.  “Eu ainda vou fazer uma exposição na rua tio, cê vai ver”.

“Cigana de Vermelho”, um quadro em tinta a óleo 70x30

Enquanto esse sonho não se realiza, a personificação do Capitão da Praça da Guerra levanta fumando seu baseado de maconha, enquanto relembra suas histórias e suas obras. “Você não viu uma que fiz, braba. Era a paisagem do morro. Foda que perdi tudo na chuva. Mas tava linda, mais lindo que essa cigana aí”. Relembra daquilo que perdeu, daquilo que deixou de ganhar... Da saudade, “Puta saudade da minha filha, cara. Mas um dia, quando eu sair daqui, dessa situação, eu vou até ela e que se foda”. Do passado. “Era muito loco, tio. Gastava mais de R$ 1.000 na noite, com várias danadinhas, com whisky red bull. Agora tamo aqui na merda, mas logo logo vamo sair”. Lembra até de quem não deve lembrar. “Eu peguei cana pelo cara, mano. Era ele que devia tá aqui, no meu lugar. Ele era o chefe. Eu era só o vapor. Quem levou toda a culpa fui eu, parça. E agora ele não quer me ajudar? Ajuda dando dez real por mês? Deixa ele. Deus vê tudo, tio. E a rua vê em dobro!”

Eu adiantei que essa era uma história de violência.

Talvez não protagonizada pelo Capitão da Praça da Guerra, embora sua figura esteja no foco. Peço para se atentarem às coisas certas. Talvez nem se atentem quando passarem por ele novamente, ou por eles. desfocalize. Talvez resolvam a questão de moradia social nesse mundo capitalista, mundo que forja a cidade que esse capitão (sobre)vive, com maiores índices de especulação imobiliária do país, típico padrão de cidades universitárias. Ou talvez solucionem a terrível discrepância econômica e social, que tem índices pornográficos sobre concentração de renda e desigualdade social afastando cada vez mais esses capitães das vistas. Ou solucionem o tráfico matando um deles. Ou os furtos, prendendo dois deles. Qual será a solução para essa história se nessa mesma terra soldados “põe a na conta do Papa” e juízes tomam café com seus réus?

Talvez ele só enriqueça e você só se esqueça (de toda essa história de violência).
Como você assina, Capitão?
- Homens Crânios, Consciência Humana, Defensores do Ritmo de Rua. DJL, É NÓIS! PPPP! (Poder Para o Povo Preto)!



 Assinatura do nosso capitão em uma das paredes de uma república



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