segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Nas areias de Praia Grande, onde Patrícia Galvão viveu na década de 40, em performance da atriz Maíra de Souza
(Foto: Márcia Costa)

Solange Sohl 
(pseudônimo de Patrícia Galvão)


Os livros são dorsos de estantes distantes quebradas.
Estou dependurada na parede feita um quadro.
Ninguém me segurou pelos cabelos.
Puseram um prego em meu coração para que eu não me mova
Espetaram, hein? a ave na parede
Mas conservaram os meus olhos
É verdade que eles estão parados
Como os meus dedos, na mesma frase.
Espicharam-se em coágulos azuis.
Que monótono o mar!
Os meus pés não dão mais um passo.
O meu sangue chorando
As crianças gritando,
Os homens morrendo
O tempo andando
As luzes fulgindo,
As casas subindo,
O dinheiro circulando,
O dinheiro caindo.
Os namorados passando, passeando,
O lixo aumentando,
Que monótono o mar!

Procurei acender de novo o cigarro.
Por que o poeta não morre?
Por que o coração engorda?
Por que as crianças crescem?
Por que este mar idiota não cobre o telhado das casas?
Por que existem telhados e avenidas?
Por que se escrevem cartas e existe o jornal?
Que monótono o mar!
Estou espichada na tela como um monte de frutas apodrecendo.
Se eu ainda tivesse unhas
Enterraria os meus dedos nesse espaço branco
Vertem os meus olhos uma fumaça salgada
Este mar, este mar não escorre por minhas faces.
Estou com tanto frio, e não tenho ninguém ...
Nem a presença dos corvos.

Patrícia Galvão, a Pagu, jornalista, militante, diretora de teatro, escritora, também foi poeta. Este poema, escrito quando ela morava em Praia Grande, litoral de São Paulo, foi publicado com o pseudônimo Solange Sohl em 1948, no Suplemento Literário do jornal Diário de São Paulo.

O diálogo entre texto e foto integra o projeto Pagunianas, de Márcia Costa, autora do livro De Pagu a Patrícia, o Último Ato (2012, Dobra Editorial), com a atriz e professora Maíra de Souza e a atriz e diretora Maria Tornatore. A proposta consiste na produção de uma peça de teatro sobre a Patrícia Galvão militante do ideal, além de oficinas sobre as linguagens artísticas que ela tanto difundiu, como a literatura, a dança, o cinema, o teatro. 

Durante o projeto serão produzidos ensaios fotográficos onde Patrícia passou em Santos, cidade onde viveu seu último ato, falecendo em 1962, e nos arredores. No centro histórico, nos bares da cidade, no jornal A Tribuna, na praia, na Ilha das Palmas e no próprio cemitério da Filosofia estão as marcas das grandes cenas de Patrícia.

A atriz Maíra de Souza (Foto: Márcia Costa)

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