quinta-feira, 12 de novembro de 2015




Intolerance. Pintura a óleo de Rolando Duartes (2002)


Por Manoel Herzog (em mais uma da série histórias ideológicas para cooptar crianças)

ERA uma vez um país chamado M. Ficava pra lá das terras dos hiperbóreos e pra cá dos carolíngios, numa estranha pradaria situada não lembro se perto da Macedônia ou de Iperoig, mas isto não importa. O que importa é saber que tal país possuía nome tão curto e estranho (M) porque esta letra era o ponto comum à sua população.

Não se pense que havia uma unidade nacional e a harmonia reinasse em M. Antes muito pelo contrário, aquele país estava dividido entre dois grupos que se odiavam.

Os historiadores diziam que as origens do Estado de M remontavam ao mágico tempo da criação das letras, quando Deus em pessoa veio trazer luz aos homens promovendo seu "letramento". Atentem para esta palavra letramento. Do verbo letrar. O povo de B odeia este verbo, diz que foi invenção do povo de P.

Naquele tempo em que Deus andava entre os homens promovendo o letramento aconteciam coisas divinas. É claro, as coisas de Deus são divinas, dã. Não riam. Era tempo das letras, não da lógica.

Deus explicou que havia letras consoantes e vogais. As consoantes deviam unir com vogais mas como o amor de Deus é livre também se podiam unir vogais com vogais e consoantes com consoantes (mais tarde as pessoas de B inventaram que Deus proibia tais uniões, mas Ele nem se metia nisso). Explicando tais coisas Deus viu que dois povos tinham grande afinidade, os povos de B e de P. E resolveu uni-los e criar uma nação federada. Que nem bósnia-herzegovina, que nem tcheco -Eslováquia ou mesmo Trinidad & Tobago.

O ponto comum entre os povos B e P, o espírito de união nacional por assim dizer, era justamente a letra M. Por isso o nome do país. Deus viu que os P e os B só podiam vir precedidos de M. Não toleravam, como as demais consoantes, a letra N. A letra M era sua constituição, sua única precedência, seu pré-conceito.

Penso que fiz um grande preâmbulo pra contar uma história que é mesmo curtinha. Os povos de M (P & B), unidos pelo preconceito, odiavam-se. Sim, eram uma nação mas se odiavam. Os P diziam que tudo que não presta é B: boi, bancada, bala, bíblia, belomonte, big brother, elencavam de uma forma que até convencia. Já os B em suas razões sustentavam o contrário, que o que não prestava (segundo as convicções deles B) era P: pobre, preto, puta, pederasta, peão, partido político.

Como se pode ver, os de B eram bem mais estúpidos (até este narrador acaba tomando partido). Mas Deus não levou isso em conta. Irritado com a intolerância entre povos irmãos Ele mandou um dilúvio destruir o país de M. E acabou a História, porque a História só parece existir quando um povo odeia o outro.

Fim

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