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Magpie (1869), óleo sobre tela, de Claude Monet |
Marco Aurélio Cremasco
Fechou os olhos, contudo não deixou de sentir. Ficaria o resto da vida naquele sofá. As imagens penetraram-lhe as narinas, atravessaram cavidades faciais para, naquela parte do cérebro, alojarem-se e projetarem passado e futuro, carnaval e finados, descortinando mais semelhanças do que dicotomias. Respirou a velhice e odores remeteram-lhe à idade sexagenária e nela a família e a neta de quatro anos borboleteando pela sala. Escutou da esposa. – Vinho? O bouquet de pinot noir fê-lo regredir aos quarenta e perceber veios azulados contornarem sensações maturadas com Penicillium roqueforti; experimentou, nas papilas, a memória do gorgonzola. Distinguiu o pipocar do champanhe borbulhando os seus vinte anos e o porre, escondido, de cachaça aos quinze; o suco de uva aos cinco, embevecido ao descobrir que o Tatão, irmão mais velho, era o Papai Noel. Reconheceu, aos oitenta, o frescor de framboesas na face ao leve toque dos lábios da filha. – Acorde, papai, revelaremos o amigo secreto antes da ceia.
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