Ponto morto, de Saulo Ribeiro
(2.ed., Vitória, Editora Cousa, 2014)
Esse curioso
romance que se avizinha do gênero policial é peculiar por se passar em Vitória,
no Espírito Santo, numa sinalização de tendência recorrente contemporaneamente
de livros desse gênero estarem sendo escritos em quantidade no país e fora do
habitual centro São Paulo/Rio.
Habitual, no entanto, para não dizer convencional, é
o modo como o romance é escrito, imitando o modelo recorrente e que faz sucesso
em autores como o italiano Andrea Camilleri e o espanhol Manuel Vázquez
Montalbán: com uma espécie de detetive-narrador que se exercita mais tempo em
citações de livros, filmes, música... que em investigação ou fatos, sendo,
assim, os fatos a própria cultura, numa forma de clichê desse gênero
contemporaneamente em que o detetive parece entediado e muito pouco a fim de
tirar a arma do coldre...
Em Ponto morto
há um crime a ser investigado, o pretenso detetive percorre os meandros
habitados por marginais e o capo chefe do jogo, que vivem em um ambiente
carnavalesco, e em dado momento parece querer destoar disso ao inserir a
história do país como um sonho. Nesse trecho, o melhor do livro, em que,
compartilhando a cela com Che Guevara e Brizola, o travesti de detetive passa
por pesadelos do tipo ser preso por militares, ser solto pela anistia e
finalmente ser preso pelos petistas que chegaram ao governo, o que faz esse
narrador concluir ironicamente que “Sade entende disso”, sendo seu mundo “uma
planície” porque nasceu no “Fora Collor”.
Nesse contexto, faz todo o sentido esse detetive blasé,
parecendo ele mesmo estar com a marcha num ponto morto, por ser apenas mais uma
das peças insignificantes da sociedade que funciona por si mesma em sua
dinâmica em que o crime, encoberto pela política, se naturalizou.
[sugestão de leitura dada por Manoel Herzog]
Trecho do romance Ponto morto, de Saulo Ribeiro:
“Pesadelos... Muitos pesadelos... Num deles sou preso pelos militares,
solto pela anistia e depois preso pelos petistas que chegaram ao governo - Sade
entende disso. Na minha cela Ernesto Che Guevara está vivo e pergunta o tempo
todo: Quanto somos? Brizola quer saber: Vivos ou mortos? Mortos, digo olhando
pro Guevara que baixa a cabeça e resmunga: Creo
que sea el fin de la revolución. Todo mundo que nasceu em 1977 deve sonhar
coisas parecidas... Eu dormi no Fora Collor e meu mundo é a planície...”
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