Itamar Alves
Vigarista, mulherengo, sem-vergonha e vagabundo. Taí um Brasil que ousou por a cabeça para fora nas telas dos anos 60 e tomou tanta pedrada, fez tanta feirante gritar, que se arrastou de volta para o buraco. Mas por lá ficou, quem passa por perto toma unhada no calcanhar.
Não, não estamos falando dos personagens das chanchadas. Esses, na maioria, eram boa gente, eram gente boa. O ziriguidum mesmo está nos filmes de Rogério Sganzerla, elo perdido entre Zé do Caixão, Noel Rosa e aquele menino, o Godard. “Macumbeiro do caralho!” Cinema Sganzerla é, de bate-pronto, uma sucessão de enquadramentos (olha a antítese!) que não se fecham, frases radiofônicas para pessoas que gostam de gritar, uma putaria absolutamente romântica (o outro “romântico”) e um amor desbregado por uma arte e um País que não davam o menor mole. Daí, o jeito era partir pra porrada.
“Eu não sou tarada!” Cacete, o negócio era tratar tudo como um solo do Ornette Coleman ou do Hendrix: vai-se errar até dizer chega, mas o sangue vai correr. Então, a pergunta: qual era a paleta do moçoilo?
Mais simples, impossível: um bandidinho pé-de-chinelo que toma uns saquaremas da polícia de São Paulo; uma putafaveladaoxigenada que tem um irmão incestuoso e pederasta vagueiam por Copacabana; uma besta fera loira casada com um gordo nazi e que curte aterrorizar homem (e deixa claro: “não gosto de gente!”); e, no talvez maior de seus filmes, o Aranha, que reuniu o que de pior existe no macho Brazillis. Logo, mora em nossos corações.
E era só isso. Pra começar, claro. Porque o que contava mesmo era ver como esses fiapos iam serpentear pela tela costurando passadopresentefuturo de uma sociedade que tinha enricado rápido, chegado na beira da piscina da mansão de fio dental e Ray-ban e não sabia como nadar. E com a pobralhada fazendo fiu-fiu lá do portão. O jeito, com o Rogério, era acabar com o estoque de coquetéis e mijar na água, não sem antes deixar clara a diferença entre cultura e estrutura.
Seus personagens não perdiam tempo com fossa, deus e o “eu-interior”. Eles tavam sempre com fome, porra! O corte era na carne, a banda sonora pedia arrego de meia em meia hora e parecia que o Terceiro Mundo realmente ia explodir. Se havia um norte que guiasse a zona toda (não tão zona assim...), era esse: “desse jeito, não dá. Deixa te mostrar onde está a merda...”.
E, óbvio, havia o cinema.
Em Sem essa Aranha, a composição é fabulosa: seis longas sequências, com a câmera executando travellings emacumbados que deixavam os atores irem e virem como a peste: todo mundo tenso, todo mundo gritando (de fome! de Fome!). É quase filme de terror (o do Conrad), mas há toda uma tristezaeuforia perpassando a tela, que culmina com uma ode de amor louco de Rogério à Helena Ignez, esposa e atriz, e uma das mais incríveis imagens do cinema brasileiro: Luiz Gonzaga e trio tocando e passeando em um matagal mafuá.
O que fica é: Cadê? Cadê os filmes, os livros e as discussões? Tá bom, estão todas em algumas salas de aula, o Canal Brasil tem dado colher-de-chá e até que tem livro. Mas, assim só não vai, né? Indústria de cinema tem que discutir tudo. Discutir, não, vamos falar adulto: Vender, porra, e sem medo, que indústria serve é prá isso. Não dá prá ficar nessa discussão só do que é rentável ou arte, tudo é comercializável. Ou não se vende DVD do Abel Gance lá fora? Menos que o Homem-Aranha, mas vende. A família Gance deve embolsar um troco de vez em quando, é ou não é?
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