quarta-feira, 11 de julho de 2012

Ademir Demarchi

Quando vemos um guarda de trânsito numa plataforma em meio a um trânsito que parece fluir sem necessidade dele, que gesticula como se dançasse, ao som de uma canção manjadíssima italiana, já desconfiamos que aquilo pode ser uma piada. A vida das pessoas comuns (por oposição às pessoas famosas) e sua relação com a fantasia da fama são o assunto de Para Roma com amor, o novo filme de Woody Allen. Por situar-se em Roma, Allen mimetiza a cidade e as trapalhadas dos italianos e ecoa algo da sua tradição expressa em livros como o Decamerão, ou filmes de Fellini, dando vida a personagens peculiares e atrapalhados.

Com quatro linhas narrativas, ficamos à espera que aqueles personagens de mundos distintos, tal como nos filmes de Almodóvar, em algum momento se encontrem e interajam. Até uma Penélope Cruz está lá para remarcar a fase europeia do diretor, nos remeter a Almodóvar com seu tipinho vulgar, uma prostituta, que também remete ao Fellini de Noites de Cabíria. Mas não é isso que interessa e as piadas vão se sucedendo ao estilo de Allen. Ele, depois de anos sem aparecer em seus filmes, atua como um produtor de espetáculos musicais ridicularizado por suas ideias estapafúrdias, que brinca ter um QI 165, logo diminuído por sua mulher que lembra que ele o está calculando em euro, pois em dólar é menor...

Esse é o Woody Allen dos roteiros novaiorquinos, não poupa nem a si próprio quando ironiza um jovem arquiteto apaixonado por uma atriz novata, dizendo através desse mesmo arquiteto, personificado num ator mais velho, que interage com eles, que se ele insistisse em se envolver com a jovem logo estaria adotando filhos na Ásia. A piada lembra o clichê batido que se tornou Angelina Jolie e Brad Pitt, mas quem se esquece que o próprio Allen fez o mesmo adotando filhos com Mia Farrow no Vietnã e depois se casou com uma dessas adotadas?

Roberto Benigni no papel de um burocrata e o tenor Fabio Armiliato no papel de um agente funerário que canta ópera no banheiro roubam a cena nesse filme. Benigni é um homem totalmente comum e de vida rotineira, sem nenhum atrativo, até que a mídia (repórteres de TV e jornais e fotógrafos como sempre amalucados diante do que julgam ser um famoso), na falta de assunto, o pegam para esmiuçar sua vida tornando-o inesperadamente um “famoso”.

Logicamente Allen está sendo altamente irônico com a mídia tal como ela funciona hoje, sem assunto e totalmente banal ao querer saber como o personagem da vez dormiu, como é a cueca que ele veste, o que comeu no café da manhã. Se Benini acaba por ser uma piada algo longa, isso se dá apenas para mostrar como são ridículos os meios de comunicação de hoje com sua idiotia instituída como regra, que logo elegem outro tolo para incensar.

Já o tenor Fabio Amiliato é um agente funerário, tal como Benini, feliz em sua vidinha rotineira de preparar defuntos e depois tomar banho e cantar óperas sob o chuveiro. Até que o produtor musical personificado por Allen o descobre e o convence a cantar na montagem de Il Pagliacci, de Ruggero Leoncavallo, que estreou sob a batuta de Toscanini no Teatro de Milão em 1892. Está feita outra piada, a melhor do filme: o tenor só consegue cantar sob o chuveiro e é isso que ele faz em todas as cenas da ópera...

Fellini habita o tempo todo esse filme de Allen, que o amava, quer numa jovem italiana caipira que se perde pela cidade lembrando Abismo de um Sonho, de 1952, ou a Fontana di Trevi, que aparece ela apenas, sem que precise que uma Anita Eckberg de hoje se banhe nela para lembrarmos que é de A Doce Vida que ele está falando.

A fase europeia de Allen, como se vê, continua ótima.

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