sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Alessandro Atanes, para o Porto Literário

No dia 7 de janeiro, comemorou-se o Dia do Leitor. Em referência à data, o Porto Literário faz uma homenagem ao maior leitor de todos: Jorge Luis Borges, o “arquivista delirante” da Biblioteca de Babel, como escreveu Umberto Eco. O próprio Borges se considerava um amanauense das letras, um leitor antes de tudo. Essa qualidade, conta Eco, da qual muita se orgulhava, tem como consequência a apreensão de diversos assuntos, temas e interesses até de segunda mão (por exemplo, ele conhece os rosa-cruz lendo De Quincey), “mas entendendo tudo muito melhor do que tantos estudiosos que dedicaram a vida ao assunto”.

Em suas entrevistas conduzidas pelo jornalista Osvaldo Ferrari para a Rádio Municipal de Buenos Aires em 1985, um ano antes de sua morte, (cujas transcrições foram lançadas recentemente pela editora Hedra em três volumes), Borges conversa sobre uma série de assuntos, mostrando completamente sua verve de leitor: estão ali o gosto pelas viagens, o valor da amizade e do amor, o prazer em conhecer pessoas, dar aulas (ainda que não se achasse um bom professor), conferências, trocar ideias, o amor aos livros e o gosto pelo diálogo (ainda mais reforçado pela cegueira que lhe tirou a capacidade de escrever sua obra, que passou a ser ditada nos anos finais de vida). A seguir, algumas impressões do maior dos leitores:

Sobre o diálogo:
Bem, eu tento esquecer todos os muitos preconceitos que tenho, e no Japão, aprendi aquele admirável hábito de supor que o interlocutor tem razão. Podemos estar errados, o interlocutor pode estar tão errado quanto nós, mas, de qualquer forma, o fato de supor que o interlocutor tem razão é um bom prelúdio para o diálogo.

Sobre antiga tradição oriental pela qual, no Paraíso, Adão falava em versos:
... o pais de Coleridge, que era pastor em um povoado na Inglaterra, pregava, e os fiéis agradeciam muito que ele intercalasse longos parágrafos no idioma imediato do Espírito Santo (“The immediate tongue of the Holy Ghost), que era, naturalmente, o hebraico. Quando ele morreu, outro pregador o sucedeu, e ele não sabia hebraico ou não tinha o hábito de usá-lo, e os fiéis se sentiram frustrados, porque, embora não entendessem nenhuma palavra, isso não importava; gostavam de ouvir o pregador falar no idioma imediato do Espírito Santo, o hebraico.

Sobre a verdade poética:
A verdade emocional, quer dizer, eu invento uma história, eu sei que essa história é falsa, é uma história fantástica ou uma história policial – que é outro gênero de literatura fantástica –, mas, enquanto escrevo, devo acreditar nela. E isso coincide com Coleridge, que disse que a fé poética é a suspensão momentânea da incredulidade.

Sobre o nacionalismo:
... uma das pragas de nosso tempo, o fato de as pessoas insistirem no privilégio de ter nascido em tal ou qual ângulo ou canto de nosso planeta, não?

Sobre a chegada à Lua:
... a Lua de Virgílio e a Lua de Shakespeare já eram ilustres antes do descobrimento, não?

Sobre Crime e Castigo, de Dostoievsky:
Há uma frase terrível de Hegel, ou que parece terrível, que diz que o castigo é o direito do criminoso. Isso parece uma frase cruel, mas não é; se o castigo redime, o criminoso tem direito a ser castigado, ou seja, a ser redimido. Essa frase foi julgada como cínica, mas talvez não seja.

Sobre a leitura:
... ler um livro é ser, sucessivamente, os diversos personagens do livro.

... o modo como sentiu o autor pouco importa, já que os textos estão aí para serem renovados por cada leitor, não é?

Sobre a intuição:
É mais fácil haver erros num longo processo do que num só ato de sensibilidade, como seria a intuição. Pelo contrário, num processo lógico sim, é muito fácil que apareçam erros.

Sobre os livros:
... da mesma forma que todo homem tem pais, avós, tataravós, por que não supor que isso também acontece com os livros? Rubén Dario o disse melhor que eu: “Homero tinha, sem dúvida, seu Homero”, quer dizer, não há poesia primitiva.

Sobre o budismo:
Eu não sei se cheguei à sabedoria, mas acreditar na sabedoria já é um ato de fé, é claro. Além do mais – eu disse isso muitas vezes –, talvez possamos dar o que não temos. Por exemplo, uma pessoa pode dar felicidade e não se sentir feliz, pode dar medo e não se sentir amedrontada. E pode dar sabedoria e não tê-la. Tudo é tão misterioso no mundo.

Sobre uma virtude poética:
... a reserva também pode ser uma virtude poética; sempre se pensa o contrário, que o poeta tem que ser efusivo e que tem que confessar... mas a reserva constitui grande parte do caráter de muita gente.

Sobre o horror em Edgar Alan Poe:
O horror está sempre presente... Poe foi acusado de ser discípulo dos alemães. Ele respondeu com uma frase muito linda: “Sim, mas o horror não vem da Alemanha, vem da alma”.

Sobre a ética:
... como disse Stevenson, a ética é um instinto, ou seja, não é necessário definir a ética; a ética não são os Dez Mandamentos, a ética é algo que sentimos cada vez que agimos.

Sobre os prólogos:
Bem, o prólogo é um gênero intermediário entre o estudo e o brinde, digamos, ou seja, entende-se que no prólogo deve haver um pequeno excesso de elogio, que o leitor desconta. Mas, ao mesmo tempo, o prólogo tem que ser generoso, e eu, com os anos, depois de tantos anos, cheguei à conclusão de que devemos escrever sobre o que gostamos.

Sobre a beleza:
O efeito estético é anterior à explicação lógica.

Sobre Borges:
... acho que estou sempre escrevendo o mesmo conto, estou descobrindo a mesma metáfora, estou escrevendo os mesmo verso... mas com pequenas variações, que podem ser benéficas.

... quando era jovem, queria ser Lugones, e depois percebi que Lugones era Lugones de um modo muito mais convincente que eu. E agora me resignei... a ser Borges, ou seja, a ser todos os escritores que li...

Referência:
Jorge Luis Borges. Sobre a filosofia e outros diálogos. Organização e tradução: John O’Kuinghttons. São Paulo: Hedra, 2009.

Jorge Luis Borges. Sobre os sonhos e outros diálogos. Organização e tradução: John O’Kuinghttons. São Paulo: Hedra, 2009.

Jorge Luis Borges. Sobre a amizade e outros diálogos. Organização e tradução: John O’Kuinghttons. São Paulo: Hedra, 2009.

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