segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Alessandro Atanes, para o Porto Literário

Sei que vai soar chato, coisa de turrão, mas uma das mesas do festival Tarrafa Literária trouxe de volta aquele debate cifrado sobre quem escreve melhor, jornalistas ou historiadores.

Toda vez que esse assunto retorna ao debate, uma figura é sempre lembrada, a do leitor comum, essa pessoa que não existe e que, dizem, prefere o livro escrito pelo jornalista ao do historiador, pois este, em linhas gerais, escreve para seus pares enquanto o primeiro tem por objetivo satisfazer este mesmo leitor comum.

Sim, o mercado editorial realiza uma série de pesquisas para identificar hábitos de leitura, gosto médio, livros lidos por pessoa por ao ano, etc. Tudo isso é importante, sim, mas pergunto, e desculpem a expressão, que raio é esse de leitor comum a quem são direcionados muitos dos livros de História escritos por jornalistas, nos quais os fatos curiosos tomam a frente da empreitada, ou onde a fofoca histórica tem mais espaço que a análise e, enfim, onde o entretenimento vale mais que o interesse? Chego à hipótese, contestável, lógico, de que o leitor comum é o leitor que simplesmente não lê e que precisa ser guiado por brindes e curiosidades para não perder o interesse.

Sim, concordo que haja livros para todos os níveis de leitores, mas daí a arbitrar que determinado grupo, no caso os jornalistas, escreve melhor que outro, é uma temeridade. E isso é repetido tantas vezes que parace natural ser assim.

Em primeiro lugar porque essa divisão faz pensar que entre os dois grupos somente há duas formas de escrita e qualquer leitura atenta atesta o contrário. Já havia diferenças de método e estilo entre os historiadores da antiguidade grega, e elas persistem, ainda bem, hoje. Vou mais longe: cada autor traça seu próprio estilo, ou ainda, cada livro requer um estilo e uma estratégia narrativa próprios para que seu conteúdo seja apresentado de forma eficiente (e ser bem escrito é apenas um dos atributos de um texto eficiente).

Aí me escoro no historiador François Hartog, que problematiza a questão ao falar de livros de História escritos como se romances fossem, nos quais cada autor, jornalista ou historiador, parece afirmar:
Sou eu quem o recomenda a vocês, leitores não especialistas no assunto; garanto-lhes que se trata, sem dúvida, de história - de acontecimentos ocorridos na realidade, de um fenômeno histórico verdadeiramente explicado (...), mas, não obstante ou além disso, o livro é legível.
Mas, acrescento, esse recado é só o começo, o problema está exatamente no "como". Como escrever sobre grupos marginalizados a partir da documentação gerada pelas autoridades? Como tratar a biografia de um líder político filtrando as louvações desnecessárias? Como reconstituir uma revolta de uma comunidade centrada na oralidade? Como lidar com o que não pode ser provado? Como diferenciar para o leitor o que é afirmação, hipótese, conjuntura, análise ou conclusão? Afirmar que a escrita jornalística é por natureza melhor não responde nada disso.

Essas e outras perguntas podem ser respondidas de várias formas, mas creio que todas devem executar um simples operação: esquecer o "leitor comum" e ficar com o leitor, simplesmente o leitor.

Quem escreve, não importa se jornalista ou historiador, poeta ou romancista, deve levar em consideração a inteligência de quem toma a iniciativa de abrir um livro. Porque é o leitor interessado que interessa, e ele nunca é comum.

Referência:
François Hartog. Disputas a respeito da narrativa. In: Evidência da história: o que os historiadores veem. Tradução Guilherme João de Freitas Teixeira. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.

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