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"A Tragédia Latino-Americana" (Foto: Patrícia Cividanes) |
Por Márcia Costa
“A violência faz parte de um vocabulário imposto e natural,
desde o primeiro instante” (Rui Filho).
Três eventos culturais em cartaz em São Paulo ajudam a
entender as tragédias que o Brasil e a América Latina enfrentam hoje. Uma história que no Brasil compreendemos muito bem a partir da lembrança
da nossa violenta origem escravocrata, hoje ainda presente na forma como nos
estruturamos econômica e socialmente. Eis um breve resumo da programação:
1- A exposição permanente Coleção Brasiliana – Espaço Olavo
Setubal, no Itaú Cultural - conta a aventura do Brasil desde o descobrimento
até o século XX. Uma riqueza de obras assinadas por artistas que registraram as originárias paisagens brasileiras, como Rugendas, Debret e Eckhout, culminando nas
produções que marcaram a Antropofagia, a Bossa Nova e
tantos outros marcos da cultura brasileira. Em destaque, os registros da violência contra os
escravos e o enriquecimento da colônia ao custo da tortura e da morte de tantos
negros.
2- A exposição "Antonio Benetazzo, permanências do
sensível", no Centro Cultural São Paulo, que apresenta ao público a obra
de um artista e militante político brutalmente assassinado pela ditadura
brasileira. A mostra reúne obras de arte produzidas por ele e um documentário
sobre sua trajetória. Desnecessário ressaltar que o que mais impressiona o
público é a perda de um jovem artista e militante que dedicou a vida a libertar o
País da opressão política.
3- A peça "A Tragédia Latino-Americana", em cartaz
no Sesc Consolação, discute as heranças da colonização. Um elenco de peso,
formado por atores brasileiros, argentinos e chilenos recorre à literatura para
explicar o continente por meio de fragmentos, adaptações e trechos de obras de
autores como Bolagno, Borges e tantos outros. Uma aula de história e uma obra
de arte que abusa do seu potencial de gerar reflexão e crítica. Entre tantos
pontos altos, a peça de Felipe Hirsch rende, satiricamente, homenagens aos
grandes homens e feitos brasileiros ao longo da nossa história, até culminar
nos dias de hoje, com elogios à performance do governador Geraldo Alckmin e sua
polícia.
Depois de conferir os três eventos,
cai muito bem a leitura do texto “Construções e Desconstruções”, que Rui Filho escreveu
sobre “A Tragédia Latino-Americana”. Impressa no programa da peça, essa excelente
reflexão ajuda a pensar o que somos hoje. Eis um trecho dessa proposta de tentar
entender esse edifício antigo-moderno e em eterna reforma em que nos transformamos:
Construímos e desconstruímos a nós
mesmos, os latino-americanos, incessantemente, em uma espécie de revisão inútil
de atos e escolhas. Construímos independências e desconstruímos as liberdades
em governos autoritários, que sucumbiram em democracias destruídas com
ditadura, que, por sua vez, se foram com as democracias modernas, e que hoje...
Bom, é sempre melhor esperar a história, quando se referir à América Latina.
Nada em nós é tão linearmente simplificado. Nesse movimento ininterrupto,
construção e desconstrução se confundem por ideologias, batalhas, conquistas,
equívocos, equívocos e equívocos.
Enquanto discorre sobre as tragédias que enfrentemos - como o laboratório
de consumo em que nos metemos - ele lembra
a força da Literatura, caminho para pensar os paradoxos de um continente:
Enquanto apenas parece nos
mantemos um tanto alienados. Mas não todos. Se colecionássemos nossos
pensamentos descobriríamos que muitos se voltaram a pensar, a falar e escrever
sobre nós e quem somos e não. A literatura latino-americana, em sua
dimensão fantástica, criou espaços
tangenciais aos domínios, em suas múltiplas faces, ao ser inventiva e
surpreendente. Sempre.
Desde sempre, a arte desnudando
e combatendo preconceitos, poderes, as violências todas, propondo outras formas
de pensar a sociedade, pela tragédia, pela comédia, por tantos gêneros
dramáticos... Felizmente, uma resistência difícil de se calar.
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