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Wladimir Cazé |
Por Erre Amaral
TRIZ
O mosquito escapa
À morte pela forma
Caótica que atravessa
O tapa desferido
Por nossa esbaforida
Mão
Escrevi
os versinhos aqui epigrafados, mobilizado não lembro mais por qual leitura. Sei
que de imediato rascunhei a lápis nas páginas do próprio livro, modo de não
esquecer as linhas que me chegavam sussurradas por minúscula e alada sílfide.
Tais
versinhos foram avivados por outros de sovinas, mas adensadas linhas, tatuados
com sutis patinhas de criaturas miniaturizadas nas [i]maculadas páginas do Microafetos de Wladimir Cazé.
Às
avessas de Gregor Samsa, o que foi metamorfoseado por Kafka num enorme inseto
depois uma noite de sonhos intranquilos, Cazé faz-se poeta de metáfora
tecnocientífica e, à maneira de um desatinado colecionador de lepidópteros,
liberta suas borboletas, mariposas e outros tantos desses minúsculos
invertebrados, para que flanem assustadores ante os olhos de espavoridos
leitores/as.
Mas
exagero no efeito terrificante que os bichinhos de Cazé possam causar aos/às
atentos/as deletreadores do seu Microafetos.
À vera, o efeito que a leitura desse breve bestiário poético me causou foi o
drolático. Sim, pilhei-me rindo por diversas vezes dos versos que compõem essa
micropoética cazeana. Se duvidam, espiem só:
No
alvoroço de um terraço vulcânico,
O
escaravelho zarolho de índole pacífica
Avança
sobre a muriçoca em pânico:
Escândalo
inédito na primeira página.
Metapoeticamente
é curioso o ritmo a que Cazé nos obriga a ler sua taxionomia poética. Um ritmo
que lembra o acalanto do cri-cri-cri de grilos em melancólicos entardeceres, ou
os tá-tá-tás de cigarras prenunciadoras de chuvas benfazejas:
No
marasmo de uma lixeira gráfica,
Um
rato informático dá um súbito
Susto
na barata multi-sináptica:
Abalo
sísmico num coração rústico.
Claro, são inúmeras as remissões à
animalidade presente em farta e prodigiosa literatura, desde a já mencionada
metamorfose kafkiana, passando pelo inaudito bestiário borgeano encontrado em
certa enciclopédia chinesa, até A
ratazana de Günter Grass, o “Burrinho pedrês” e “Conversa de bois” do Sagarana de Rosa.
Aliando-se a essa plêiade, o Microafetos de Wladimir Cazé replica o
ensinamento de Derrida em O animal que
logo sou, no qual o filósofo francês afirma que se há um pensamento do
animal, tal pensamento é um pensamento poético.
Erre Amaral nasceu em Porto Velho (RO) e mora
em Diamantina (MG). Escritor, poeta, ensaísta e professor universitário. Autor
de 54 [+ uma] mulheres do baralho
(poemas, Editora Cousa, 2015) Contos
extraviados (contos, Butecanis Editora Cabocla, 2015), Uma Denise (romance, Editora Cousa, 2014), Le mot juste (romance, Orobó Edições, 2011) e Paul Ricoeur e as faces da ideologia (ensaio, Editora da UFG,
2008). Assina a coluna ‘O mal-entendido universal’ na Germina – Revista de
Literatura e Arte e a coluna ‘Memorabilia’ na Revista Pausa. Editor de
Palávoraz – Literatura e Afins. Coordena o Projeto de Extensão Café Literário
em Diamantina (MG). Curador do Projeto Caravana Rolidey – Literatura na
Estrada. Despacha na blogue literário piERREmenardiando. Doutor em educação
(UFG), é, atualmente, o Diretor de Cultura da UFVJM.
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