Por Flávio Viegas Amoreira
Dedico este artigo à professora e escritora Lúcia Teixeira Furlani, artista e empreendedora que acredita na Arte e no humanismo militante: exemplo de generosidade intelectual e criatividade persistentemente exercitada.
Linguagem e memória: os solos da cultura seguem mesmo caminho das geleiras; se não promovermos a leitura, o raciocínio imaginoso, estaremos condenados a uma civilização refém da vídeo-esfera e a uma sociedade ágrafa. ‘‘A memória é nossa identidade, nossa alma; se você perde a memória, já não existe alma; você é um animal’’, diz Umberto Eco em manifesto que reverbera Chomsky ao considerar a literatura mais competente que as ciências sociais ou qualquer outro método de investigação para dar respostas à pessoa humana plena.
Se Heidegger proclama que a linguagem é o ventre da cultura, contraponho nosso estágio de indigência intelectual onde os videogames e a bobo-esfera substituem (com suas catacumbas plugadas à animação do nada) o cultivo do espírito liberto para comunicar, interagir, criar advindo da interpretação, da hermenêutica, do texto escrito. A fala do computador deve servir aos significados autônomos, ao campo de cognição desvencilhado das comodidades esterilizantes ou anestésicas da virtualidade artificiosa.
Salvar a escritura, perpetuar a Alta Literatura são tarefas que dão peso estratosférico à contação de estórias e ao subseqüente gênero infanto-juvenil: nada mais raro e exigente de esmero que escrever para crianças e nenhuma missão é tão urgente para manter contingente maior de leitorado que fascinante universo trilhado por Lobato, Fanny Abramovich, Tatiana Belinky e agora brilhantemente seguido por veredas mais íngremes pela professora Lúcia Teixeira Furlani. Tudo é possível e O segredo da longa vida representam convivência num todo orgânico de movimento, enredo cativante, coesão narrativa e riqueza gráfica enfeixando no papel impresso encantamento instigante que chips e vídeo-clips propiciariam sem acrescentar ao cérebro ou aliciariam sem ampliar neural ou animicamente o mundo ainda por fazer de pequenos vivenciando a inquietude da geração do excesso.
Ler é multiplicar nosso-por-dentro. A vida tem mais talentos que nosso cotidiano desencantado possa supor: visceral desafio é da escritora como daqueles que seguiram pintando depois da fotografia ou do cinema, que ainda sobrevive, e antes o teatro magicamente vivo sem sucumbir ao mesmo cinematógrafo. ‘‘É preciso fazer compreender à criança que a leitura é o mais agitado, mais variado, o mais engraçado dos brinquedos’’, dizia Alceu Amoroso Lima, cinquenta anos atrás, sobre Viriato Corrêa: penso não existir ato mais libertário que o da leitura parindo mais e mais pensamento.
Li Kafka aos 14 por ter lastro de conteúdo e forma praticadas nas leituras de Grimm e Andersen: o mundo é largo, profundo, o tempo é gigantesco para aqueles que esmiuçam galáxias por capítulos. Quadrinhos, fanzines, intertextualidade, Lúcia entroniza metáforas e insere metalinguagem na incrível viagem no tempo como quem semeia sonhos, acessa a pedagogia dos símbolos ou dispõem alcance as chaves de mitos adormecidos. O protagonista Lucas terá sempre uma ilha de Robinson, Gulliver ou país de maravilhas, assim quero crer: não fosse o poeta aquele que reza mesmo sem fé. Todas as invenções e descobertas são possíveis, o problema é persistirmos no escuro: desconhecer, ignorar, procurar não entender são chagas da sensibilidade: dar nome às coisas e constelá-las de estórias é humanizar a existência, dar-lhe sentido e, mesmo sucumbindo, buscar salvá-la.
O segredo da longa vida é esse quando cremos ser algo ainda possível. Saúdo Lúcia Furlani: forja objetivos nobres partindo de subjetividades sensivelmente alinhavadas: a leitura é o big-bang do cérebro! Sem linguagem robotizamos. Escrever é da sua essência: cada leitor grão fazendo-se semente; a saga segue no fértil infindo...
bonito texto, flávio!
ResponderExcluiro blog inteiro está muito bom. até terça-feira!!
Fico pensando se a literura é capaz de tudo isso,ou se são poucos os que necessitam da literatura para manter a chama. Falo da literatura enquanto experiência com o não-dito e o não-lugar, a instrumentalização de seus códigos, de suas ferramentas. Veja meu texto logo abaixo, a quem serviria, a não ser às pessoas que já carregam dentro de si a consciência da dor do estar na loucura?
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