quarta-feira, 17 de junho de 2009

Márcia Costa, para o Artefato Cultural

Do lugar onde está, ela já foi embora. Esta frase talvez expresse a dinâmica do movimento de Rita Nascimento, artista atenta às formas de explorar a complexidade da natureza humana por meio da estética. Quando não está às voltas com a dança-teatro, ela está na Secretaria de Educação da Prefeitura, onde integra uma equipe multidisciplinar. Já deu aulas no Sesc, em faculdades e em escolas de Prefeitura. Mas é na dança que se recria.


Rita Nascimento ficou marcada no meu imaginário como uma artista em busca de inovar, de lapidar o movimento para melhor dar lugar à emoção. É assim que a vemos deslizando, leve, suas corerita_nascimento02 ografias pelos espaços do Sesc, dividindo sua inquietação com o público. Na última Bienal de Dança do Sesc, em 2007, foi a única dançarina/coreógrafa de Santos a integrar a mostra com a performance Do lugar onde estou já fui embora, inspirada no Livro sobre o Nada do poeta Manoel de Barros. Em 2005, apresentou Flores Murchas, que nasceu do poema homônimo de Patativa do Assaré. Seu trabalho é levado constantemente às unidades do Sesc. Atualmente, prepara para a Bienal de Dança uma coreografia sobre o universo feminino, cujos primeiros movimentos mostrou recentemente ao público.


Vários anos depois de vê-la primeira vez, encontro a coreógrafa e dançarina sentada em um colchonete azul de um dos camarins do Sesc. Antes de apresentar Prefácio Poético, narra para mim e para Cristiane Carvalho sua vida entrelaçada pela dança.


Aos 15 anos de idade (no final da década de 70), começou a estudar em uma sala na Avenida Conselheiro Nébias, em frente ao supermercado Eldorado (hoje Carrefour). A professora, que vinha de São Paulo para ensinar dança contemporânea, influenciaria o destino da menina Rita. “Comecei a ter uma estrutura, a conhecer o Silvano (Caniatti), que tinha vindo da Itália”, conta. Com o coreórita_nascimento01 grafo manteve, por anos, um espaço de dança. Desta experiência formou-se o grupo Oficina de Dança, que mais tarde se converteu no Corpo Estável de Dança, subsidiado pela Prefeitura de Santos na década de 90, e dirigido por Roberto Peres. Foi neste período que Rita teve contato com o teatro-dança, marca de seu trabalho. O grupo contava com o espaço cedido pela Prefeitura para ensaiar, mas, sem remuneração, ficou difícil para Rita se manter nele. Por volta de 1997, resolveu alçar vôo próprio, dedicando-se ao trabalho solo. “Gosto de trabalhar independente”.


Para além da coreografia, Rita cuida do figurino, do cenário, do personagem, da trilha sonora, da iluminação. “Quando penso no trabalho, já penso na luz”, explica. Sua produção leva de um a dois anos de gestação até se converter no espetáculo propriamente dito. “Leio 1500 vezes a mesma coisa, pesquiso...”.


O corpo é o forte do trabalho dessa dançarina. Ela se entrega à pesquisa da linguagem corporal. Mistura à dança elementos do teatro e da literatura, um marco na suas coreografias. Não à toa, o trabalho começa com pesquisas em livrarias. Das suas leituras diárias emerge sempre alguma inspiração. Já desenvolveu trabalhos a partir da escrita de Ítalo Calvino, Clarice Lritanascimento_prefaciopoetico01 ispector, Cecília Meireles, Manoel de Barros, Artur Bispo do Rosário, Patativa do Assaré... Das artes plásticas, trouxe o calor da obra de Frida Khalo. A preferência de Rita é pelos artistas sul-americanos. Seus trabalhos, antes de ganhar os palcos, são avaliados pela colega Célia Faustino, coreógrafa que se encarrega de opinar sobre a dinâmica do movimento. “Ela avalia se tem algo parado, se está igual”.

Pensar a arte a alimenta. “Não sei se é a dança, mas o processo criativo me liberta. Este processo da composição me incentiva. Quando começo a construir isso...”. Mais do que a dança, o que a move é a paixão pela estética. “É um problema na minha vida, uma doença. Teatro, moda, decoração, fotografia, cinema... tudo que é ligado em estética”. Até o prato que utiliza, a caneta, o caderno, são adquiridos com muito rigor. “Se não, não fica com cara de nada”. Por fazer questão de imprimir sua marca em suas produções, Rita também customiza os figurinos. Pinta, tinge, começa da estaca zero se necessário.


Várias linguagens a inspiram. “Acredito que a partir disso tudo que vejo e leio, acabei encontrando um jeito próprio, particular de construir minhas cenas. Na dança gosto de várias tendências, da maneira como Rodrigo Rodovalho, do grupo Quasar, trabalha a qualidade do movimento, e a própria composição coreográfica, da pesquisa contemporânea da Lia Rodrigues, do Cena 11, dos trabalhos solos da Vera Sala. Acompanho e me interesso sempre pelas danças populares do Antônio Nóbrega. E sem dúvida, pelo expressionismo no trabalho da Pina Bausch e as dinâmicas dos movimentos de Willian Forsythe, da dança Butô...”.


Depois de contar, com verdes olhos inquietos, sobre a atividade que ama realizar, Rita mastiga um sanduíche. Daqui a pouco ela vai apresentar Prefácio Poético, seu mais recente trabalho que explora o universo da poesia feminina, que não é só de Frida, de Clarice, mas de todas as mulheres. “É o universo contido na palavra. É uma busca de reflexão, liberdade, de repensar a arte como fomento de vida”. Deixamos Rita para que ela se prepare para a apresentação. Aguardamos junto com dezenas de pessoas, sua entrada no foyer do teatro do Sesc. Ela chega trajando um vestido preto, explorando com o corpo e a voz todo o amplo espaço – principalmente uma mesa que serve de cenário. Os textos de Frida Kahlo e de Clarice Lispector se misturam em Prefácio Poético, espetáculo em construção e que, por enquanto, mantém este nome. “Amanhã, não mais”, brinca Rita.


Para Rita, a arte tem que tocar. “Se eu ficar neutra, aí não funciona”. E a arte desta coreógrafa nos toca profundamente. Nuances do universo feminino são criteriosamente apresentadas por meio da fala e do gesto. Rita não teme dar voz a este complexo mundo feminino (pela primeira vez, usa a linguagem oral) e é por isso que sua performance hipnotiza o público – principalmente as mulheres, pela fácil identificação. E o faz com a maturidade de uma artista que sabe explorar as emoções. Esta marcante performance de 15 minutos nos faz aguardar, com prazer, pelo resultado final deste Prefácio Poético.


Cronologia dos trabalhos solos de Rita Nascimento:
2000 - Canção do Caminho, inspirado no poema homônimo de Cecília Meireles
2002 - As Cidades e os Olhos, inspirado num conto do livro Cidades Invisíveis, de Italo Calvino;
2003 - Arthur das rosas, das rezas, do rosário..., inspirado na vida e obra de Arthur Bispo do Rosário;
2005 - Flores Murchas, inspirado do poema homônimo de Patativa do Assaré;
2007- Do lugar onde estou já fui embora - inspirado no Livro sobre o Nada, de Manoel de Barros;
2008 - Que a terra fosse toda uma – inspirado no poema O Infante, de Fernando Pessoa;
2009 - Prefácio Poético, inspirado em textos de Frida Kahlo e Clarice Lispector.

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