quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Alessandro Atanes, para o Porto Literário

I
Interessante a entrevista com o juiz Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, domingo na Folha de S. Paulo (Poder, A10, 7/10/2012). Conforme o relato da colunista Mônica Bergamo, se dependesse dele, a pauta do Supremo estaria bem mais cheia: lá em 2007 propôs a continuidade de um processo contra Paulo Maluf (PP) mesmo sem que Delfim Netto fosse encontrado como testemunha (???????????????), mas foi voto vencido no colegiado (é isso? grêmio? corte?). “O caso prescreveu”, escreve a jornalista. No mesmo ano Joaquim Barbosa defendeu que o deputado Ronaldo Cunha Lima (PSDB) fosse julgado no Supremo por tentativa de homicídio mesmo após ter renunciado ao cargo justamente para perder o fórum privilegiado e ser julgado em primeira instância. Foi “voto vencido”. Em 2007, a denúncia do mensalão de José Dirceu e 37 réus do mensalão parecia o Santos de Neymar campeão da Copa do Brasil: 9 a 1, batata.

Lógico que cada investigação tem seu tempo, mas Bergamo não diz nada sobre por que o crime anterior, o mensalão tucano em Minas Gerais, só foi apreciado dois anos depois, em 2009, e apenas com o ex-governador de Minas Gerais, Eduardo Azeredo, como réu (o mesmo Marcos Valério e Cia serão julgados em primeira instância). Os inventores do esquema, inovadores da corrupção acabaram não sendo reconhecidos por sua contribuição às práticas de apropriação do Estado e apenas o ex-governador será julgado ali, mas passou, ufa, 5 a 3, e com três juízes que não foram votar, olha só. O julgamento ainda não ocorreu.

Agora as aspas são do juiz. Duas declarações sobre a imprensa na entrevista que, para mim, revelam escancaradamente o pensamento de parte da sociedade que vai além da diferença de resultados e tempos entre as duas denúncias no Supremo: “nunca deu bola para o mensalão mineiro”, “são dois pesos e duas medidas”.

Ainda sobre a imprensa, uma questão importante, que trata da conformação de jornais e TVs no Brasil: “a imprensa brasileira é toda ela branca, conservadora”, à qual acrescentou: “O empresariado, idem” (pessoalmente, não lembro mais do que 5 colegas negros nas três classes pelas que passei entre 1991 e 1995 no curso de Jornalismo da Católica de Santos). Tal ponderação, penso, deveria ser lida em conjunto com outra, anterior, na página A6, onde a jornalista Suzana Singer, que exerce o cargo de ombudsman do jornal, por outros motivos, comenta a conformação dos próprios jornalistas nas redações.

Ela critica o fato de os profissionais cobrirem as eleições a partir do que é medido em pesquisa, influência do mensalão, do Lula, da Dilma, se o Serra é feio (precisa de pesquisa para isso?), deixando em segundo, terceiro ou quarto plano o que ocorre nas ruas. Vale a longa citação:

Quanto mais se afasta do centro da cidade, mas evidente fica a fragilidade da reportagem. A Folha não entende e não conhece a periferia de São Paulo, que responde por 40% dos votos. Talvez seja um reflexo da própria Redação, formada majoritariamente por brancos (e brancas), de alta escolaridade, que vivem no cinturão privilegiado de São Paulo – composição que se repete nas grandes redações.

II
As propostas para cultura do prefeito eleito de Santos Paulo Alexandre Barbosa, se implantadas, têm a chance de aproximar a gestão pública cultural da qualidade que os artistas e produtores de Santos já atingiram há algum tempo. Seria bom agora um calendário de implantação (entre outras boas ideias estão a integração ao Sistema Nacional de Cultura, a implantação de uma incubadora cultural e o retorno a Santos do Festival de Música Nova).  Leia as propostas do vencedor para o setor aqui.

III
Agora, as notas importantes.

Está em andamento o Ciclo de Estudos sobre Estética e História da Arte, voltado para a produção artística do Renascimento, com o professor Nelson Pirotta. Toda segunda-feira, na Pinacoteca de Santos.

Literatura infantil: As aventuras de Firmina Dalva e seus amigos (Comunnicar), com as histórias de uma gata de olhos verdes, um canário amarelo e um cão salsicha (aquele da Cofap), primeiro livro da jornalista Érika Freire, ilustrado por Nice Lopes e com prefácio de José Roberto Torero. Dia 12, às 15 horas, na Estação da Cidadania.

Lançamento triplo das Edições Caiçaras em São Paulo, no dia 26, no Espaço Alberico: TEATROFANTASMA ou o Doutor Imponderável contra o onirismo groove, de Marcelo Ariel, Desaforismos, de Flávio Viegas Amoreira, e Perdas & Danos, de Madô Martins.

O Dia das Crianças será também para a festa de aniversário do compositor Gilberto Mendes, que chega a joviais 90 anos no dia seguinte, 13 de outubro. Será no Guarany, a partir das 20h30, com o grupo de câmara Quatro Quartos e o concerto Chuva no mar – 90 vezes Gilberto Mendes, com a presença do aniversariante e convidados. No Guarany, a partir das 20h10.

Morreu no sábado passado, aos 70 anos, em Lima, Peru, o poeta Antonio Cisneros. Em homenagem, o poema Destierro, que traduzi no Porto Literário em novembro de 2010:

Desterro 
Por que me trouxe, pai,
para a cidade?
Por que o senhor me tirou
do mar?
Rafael Alberti

I
O porto
quase chegou
até os barcos.

II
Seguem
cordas amarradas
na sombra
ruínas de cais
e navios.

III
Navegam lâmpadas
de altíssimas veredas
até a beirada
de peixes
e portas submarinas.

IV
Vivem somente
postes de vento
assomando
bandeiras pela borda.

V
Mastros de brisa
voltando
na proa de fontes.

VI
Surge um farol
em torres de pedra
submergida.

VII
Sobre o mar
uma rua de areia
e de silêncio.

VIII
Um camarada morto
amanhece na maré.

Referência
Antonio Cisneros. Destierro. In: Poesía. Lima (Peru); Bogotá (Colômbia): Peisa; Arango Editores, 2000.

Alessandro Atanes, jornalista, é mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Servidor público de Cubatão, atua na assessoria de imprensa da prefeitura do município.


1 comentários:

  1. Brisa - sekidai, em homenagem ao poeta Antonio Cisneros.

    À beira da praia
    pescaria termina -
    aroma na brisa.

    Autor: Ricardo Rutigliano Roque,
    no link: http://rutiglianoroque3.zip.net/arch2012-09-23_2012-09-29.html#2012_09-29_20_17_07-121995562-0

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