quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Marta Molina, jornalista independente
Tradução: Alessandro Atanes


Uma versão deste artigo foi publicada originalmente en inglês em Waging Non Violence

As caricaturas em forma de historietas do desenhista brasileiro Carlos Latuff conseguiram ultrapassar fronteiras. E fazem de novo agora durante o ataque de Israel contra a Faixa de Gaza, no Território Ocupado Palestino como fizeram durante a Primavera Árabe no Egito e até nas últimas eleições mexicanas para evidenciar a fraude eleitoral.

Tem trabalhos sobre o movimento das Mães de Maio em São Paulo, sobre a guerra na Síria, sobre a luta da Assembleia Popular dos Povos de Oaxaca (México) e até sobre o duopólio midiático da Televisa e da TV Azteca no México que o movimento #Yosoy132 evidenciou recentemente.

Latuff passa sua indignação com a arma que sabe usar melhor: seus desenhos, sua arte. Nesta última semana esteve de nuevo expressando sua opinião sobre a guerra que vem ocorrendo no Território Palestino Ocupado que, segundo ele, é quase um déjà vu do que aconteceu em outros momentos eleitorais: “Quando se aproximam as eleições, Israel decide atacar Gaza. É mais ou menos assim: se alguém tem problemas ou se sentes inseguro durante una eleição, inventa uma guerra e assim a popularidade aumenta. Até os candidatos da oposição em Israel apoiaron o ataque contra Gaza”.

Conectamos Carlos Latuff por vídeo-conferência, de casa a casa, de mesa a mesa, de laptop a laptop, entre Cidade do México e Rio de Janeiro, e lembrando um português um pouco enferrujado mas ainda decente. Após fazer um repasse pelos movimentos de resistência indígena contra megaprojetos no Brasil, os Indignados da Espanha e a crise, pelo Occupy Wall Street, os zapatistas y os Yo Soy132, aterrizamos no Oriente Médio e, de forma concreta, na guerra de Gaza.

Durante quase uma hora e meia falamos da importância da criatividade e da arte como forma de resistência e sobretudo da necesidade de que existam artistas, desenhistas e jornalistas independentes que reportem movimentos de resistência ou situações de conflito no mundo de forma independiente, em suas palavras, “fazer o que os meios comerciais não fazem” para, deste modo, fazer um viral a partir da autonomia – e ao mesmo tempo da responsabilidad – que as redes sociais e, em geral, a internet oferecem.

“Com teu trabalho também se pode inspirar movimentos”, diz. Ele, de sua casa no Rio de Janeiro e com uma conta no Twitter (‏@CarlosLatuff) e um blog (http://latuffcartoons.wordpress.com/) conseguiu que seus desenhos fossem impressos em faixas durante a Primavera Árabe ou fossem reproduzidos na forma de grafiti nas paredes em Bahrein. Na semana passada, suas imagens sobre a guerra em Gaza deram outra vez a volta ao mundo (foto acima) expressando sua opinião que, como ele mesmo diz, “não sairia nunca nos meios mainstream do Ocidente”.

MM: O que você tenta refletir através de suas criações sobre o que está ocorrendo agora em Gaza?
CL: Meus desenhos refletem a indignação de alguém que não consegue ver a realidade através dos meios estabelecidos de comunicação. Acredito que a mainstream media, quando tem que mostrar o que está ocorrendo em Gaza, toma partido. Todos tomamos partido, mas o lado dos meios comerciais é sem dúvida “pro-Israel”, o lado dos Estados Unidos, do pensamento ocidental.

O que eu tento fazer através de meus desenhos é expressar minha opinião sobre este double standard [dois pesoas e duas medidas] dos meios comerciais e mostrar o outro lado, o dos palestinos, que é o lado que não é mostrado.

Quando vemos televisão se percebe que existe uma tendência a justificar os crimes cometidos pelo estado de Israel contra os palestinos em nome de una pretensa “autodefesa” ou “segurança”. O que eu tento fazer através de minhas ilustrações é expor estas contradições do discurso da imprensa, do discurso do gobierno de Israel.

MM: Vê seu trabalho como um instrumento de resistência?
CL: Sem dúvida. Todo mundo tem um lado e você, como jornalista independente, também tem seu lado. A questão é saber para quem emprega sua força de trabalho. Se está trabalhando a serviço de uma causa popular ou a serviço de um editor, de uma editora ou de um jornal que tem interesses corporativos. Quando se é jornalista independente temabém se tem lado, claro, mas geralmente é o lado do mais desfavorecido, a parte mais fraca da corda e que precisa de reforço. Você como jornalista independente e eu como caricaturista devemos fazer o contraponto.

MM: Existe então uma tendência que faz as pessoas olharem somente para um lado? Uma espécie de senso comum, de “irem todos na mesma direção, “como ovelhinhas”, sem discutir a versão dos meios comerciais?CL: A imprensa guia as pessoas para que se posicionem a seu próprio lado e nós fazemos exatamente o contrário. Não seguimos a massa, não somos peões nem cordeiros, pensamos por nós mesmos, não temos o rabo preso, como dizemos em português, não nos sentimos presos nem obrigados a seguir a tendência de alguém. Temos a mente e o coração livre para pensar livremente para trabalhar nossas opiniões sem pressões e de forma independente.

MM: É o momento de começar a construir um movimento de jornalistas e comunicadores organizados para mostrar este outro ponto de vista independente e necessário? CL: Sim. Acredito inclusive que a internet chegou para ajudar muito neste sentido. Nos anos 80, por exemplo, a única forma que tinha de publicar minhas ilustrações era através de um grande jornal. A única manera de que una audiência estrangeira pudesse ver meus desenhos era publicando-os em revistas como Time ou Newsweek, os mainstream media internacionais. E era benm difícil. Agora internet ajuda para viralizar o trabalho e para chegar a lugares recônditos do mundo. Sem esta ferramenta meus desenhos estariam retritos ao Rio de Janeiro ou à imprensa sindical em que trabaho que, infelizmente, no tem um alcance muito grande. Definitivamente, si não fosse pela internet, pelos meios independentes, por muitos blogs, pelo twitter ou pelo Facebook, muitos não me conheceriam.

MM: Que lições nos deu a Primavera Árabe em relação a isso?
CL: Deixou muitas lições sobre comunicação. Por exemplo, eu acompanhei o levante egípicio do início ao fim através do twitter. E posso dizer que as coisas que os egípicios não conseguiam ler nos jornais ou ver nas TVs egípcias – seja porque não era permitido ou porque não queriam que se divulgasse – podiam ler através do twitter.

Os desenhos que fiz sobre o início da revolução no Egito não foram publicados nos jornais egípicios – exceto alguns que saíram, mas a maioria não. Inclusive, quando a junta militar assumiu, o desenho que fiz dos generais egípicios não foi publicado, mas ainda assim as pessoas tiviram aceso a eles graças à internet.

MM: A internet estimulou a criação de redes de jornalistas independentes?
CL: Sim. Existe hoje a possibilidade de trabalhar por internet um conteúdo que no seja associado a grandes jornais, a grandes redes de televisão. Além disso, precisamos de uma comunicação independente que não esteja vinculada a meios corporativos e acredito que a internet ajudou muitoo neste sentido.

MM: Seu material, seus desenhos se viralizaram inclusive fora da rede. As pessoas imprimiam, faziam faixas com eles e ia para a rua se manifestar. Criações como as suas ajudam a fortalecer um movimento social?
CL: Acredito que o forte de meus desenhos é que são utilizados além da função editorial. As pessoas que vêm meus desenhos não só os guardam em um livro, em uma revista, em um jornal. Levam-os para os protestos, para as manifestações, ultrapassando o puramente editorial. As caricaturas têm uma importancia clave. Passaram a ser para o militante um instrumento de luta. O desenho é sua voz e expressa, sem palavras, o que se está sintindo. Foi isto o que aconteceu durante a Primavera Árabe no Egito: as pessoas imprimiam o desenho, levavam para a rua porque se sentían identificadas com essas imagens.

É importante que se produza uma arte que não seja apenas para ser publicada em um jornal, mas para ser reproduzida em qualquer espaço. Seja em um estencil, em uma camiseta ou em um grafiti, como fizeram em Bahréin. Muitos de meus trabalhos se tornaram grafitis nas paredes de Bahréin e Egito.

Quando coloca teu trabalho a serviço das causas populares sociais e dos militantes, os manifestantes, os ativistas e organizadores o utilizam para essa luta, então a arte se torna um instrumento de resistência. Também o jornalista independente.

MM: Você fez alguns desenhos sobre Occupy Wall Street. Como vê agora o movimento?
CL: O problema de Occupy Wall Street é que agora mesmo eles não têm um objetivo concreto. Se alguém quiser canalizar a indignação, muito bem, mas é preciso ter um objetivo. Então Ocupamos Wall Street, e o que fazemos depois?

Enfim. Seguiremos, como dizemos en português, “pisando no calo”, isto é, perturbando, incomodando, mas também expressando nossa indignação com a arma de resistência que melhor manejamos, no meu caso, as caricaturas.

Mais desenhos de Carlos Latuff em https://www.dropbox.com/sh/y63h4vtflwm4mq0/08-Gy9ymAK.

Nota do tradutor
Como revela a jornalista Marta Molina no próprio texto, a entrevista foi feita em português e transcrita para o espanhol. Assim, ao devolver o conteúdo ao português, a tradução pode ter promovido diferenças (sinônimos e construção de frases) entre o que disse Carlos Latuff e o que está publicado acima.

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