sábado, 17 de novembro de 2012


Já que estamos no feriadão entre a proclamação da República e o Dia da Consciência, com a cidade de Santos cheia de turistas, vale aqui repercutir um abuso que vem sendo cometido no jardim da praia do Município. Não, não são os moradores de rua abusando do espaço público. A denúncia está publicada no suplemento propriedade imaterial de santos, do fanzine The Talk, distribuído em novembro em bares e cafés da cidade.

Aos 72 anos, ele já não aguenta mais
Sob o título Uma vida de abusos, o fanzine traz uma entrevista com o Leão do Gonzaga onde ele reclama que não tem mais idade para, ali parado em uma das alamedas do famoso jardim, receber diariamente dezenas de pessoas às suas costas. Vamos ao que disse o Leão disse ao entrevistador:

Mas veja só, a situação de meus primos lá em Trafalgar Square é, sem dúvida, muito melhor do que a minha aqui. É uma outra cultura, sabe? É bem diferente. Lá em Londres, eles [os leões de lá] recebem turistas do mundo inteiro, ficam em pedestais de pedra. O sujeito quando termina de subir já está cansado, tira a foto e quer logo descer. Às vezes até por medo de despencar dali. Aqui eu fico na altura do chão, a turma vem cheia de vibração, é cada chinchada de perder o rebolado! Sabe, é um negócio triste e deprimente. É peito, é bunda, é saco, é barriga, as meninas ficam esfregando a perseguida em mim. Quando o dia é ensolarado isso aqui fica um inferno. Eu acho que mereceria mais respeito, não?

The Talk – Pelo que entendi, você preferiria ser chinchado por turistas de outros países?
Leão – Não, companheiro! Acho que você não me entendeu. Não quero passar por isso mais. Não quero ser chinchado de jeito nenhum! É horrível esse abuso, um verdadeiro pesadelo. Pouco se me dá ser chinchado por um dinamarquês ou por um turista de um dia, esse pessoal que aluga apartamento de temporada. É ruim do mesmo jeito! Acho que deveria ter um pouco mais de respeito por parte das pessoas.

Com mais de 70 anos de idade, o Leão já não aguenta mais. Desenvolveu uma “tremenda” hérnia de disco e pede que a Prefeitura lhe arranje um plano de saúde para “dar um jeito na coluna”. Ele também fica com receio ao ver os novos prédios gigantescos e projeta temerário o maior número de gente que vai lhe pesar às costas. Nada como uma entrevista inventada para os autores do fanzine darem seu recado sobre questões atuais da cidade, como na pergunta que encerra a conversa:

The Talk – E o que se pode esperar do futuro?
Leão – Não sei. Sinceramente, não sei. O que mais me deixa assustado é como o pessoal daqui passou de cavalo para burro, parou de pensar. Às vezes, fica com uma postura, um discurso reaça, babaca que só. Sabe alma pequena? Empulhação, mesquinharia? Acho que devo estar cego para tantas coisas, porque o lance aqui não parece legal num futuro próximo ou não. Como toda previsão, é um troço difícil de acertar, de realmente saber o que vai ser daqui para frente. Eu fico triste porque não vejo perspectiva. Às vezes fico assim por causa da hérnia, sabe? Hoje mesmo parou uma tiazona que foi tirar uma foto e botou um par de seios enormes nas minhas costas. Putz, doeu pacas! Aquilo não era um par de seios, era um par de ubres. No dia que ela operar aquilo, vai servir por baixo três modelos-atrizes. Tem muito de coisa de aparência por aqui e o pessoal que realmente põe o cérebro para funcionar está trancado em casa uma hora dessas. Sinceramente, não sei onde vamos parar.  

No poema de Puchkin, o Cavaleiro de
Bronze deixa o pedestal e passa a
perseguir aquele que o acusava
Apesar do registro irônico e sem pretensões estéticas da entrevista inventada, o diálogo com o monumento tem uma linhagem que podemos remeter ao Cavaleiro de Bronze (1833), de Alexandre Puchkin (1799-1837). No ensaio Guia para uma cidade renomeada, o poeta Joseph Brodsky (1940-1996), Nobel de Literatura de 1987, afirma que esse clássico deu o tom da grande literatura russa do século XIX. Seu herói é um funcionário público subalterno que:

... depois de perder sua amada em uma enchente, acusa de negligência a estátua equestre do imperador (não tinha construído diques) e enlouquece quando vê o czar Pedro, irado, saltando do pedestal montado em seu cavalo e correndo em sua direção para atropelá-lo, a ele, que o ofendia.

Epílogo
E já que estamos no feriadão, um cartaz do Coletivo Action.

1 comentários:

  1. "Puchkin"nho de cisco agora sairá do olho daqueles que enxergarão melhor, nessa lufada de bafo do leão, sem precisarem subir a serra até a capital, a galope, pra ouvirem ali, na Bienal de São Paulo, o que foi repercutido na "Folha de S.Paulo" de hoje - sábado, 17/11, Ilustrada p. E3: "Cada cidade precisa de um poeta, alguém que dê o tom e tome o pulso do lugar: o portador da festa." - Manuel Sanfuentes, arquiteto do "Ciudad Abierta" de Valparaiso - Chile. Ei-lo... encarnado por poeta visceral de nossa sala de visita: o Leão do Gonzaga. Ricardo.

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