Pode ser que os muito avessos à academia vejam com estranheza essa postagem da Pausa. Mas a verdade é que as fronteiras entre arte e academia deveriam ser mais fluidas, e o texto abaixo demonstra uma tentativa criativa de quebrar tais barreiras entre estes dois campos. É um trabalho do aluno Luciano Antonio Siqueira, resultado da disciplina ministrada por Jean Pierre Chauvin intitulada Cultura e Literatura Brasileira: Colônia, na USP. A proposta do trabalho é ser uma paródia estruturada como uma típica carta colonial do século XVII, dividida em Salutatio, Exordium, Narratio, Petitio, Conclusio e Subscriptio. Mas é, sobretudo, resultado das trocas imensas entre aluno e professor. Boa leitura!
Missiva acadêmica [1]
Ao Professor Jean Pierre
Chauvin, destacado professor da mais importante instituição acadêmica de nosso
país.
Estimado Professor, sua
presença nos quadros dessa tão ilustre Instituição engrandece uma trajetória já
tão admirável.
Agradeço o imenso privilégio
de ter recebido profundos ensinamentos a respeito de nossa história e cultura.
Nesse imenso e árido deserto da cultura no tempo presente, as manhãs de
segunda-feira tornaram-se valiosa fonte para saciar a sede de conhecimento para
além das obviedades de antigos manuais e de tantos intelectuais comentaristas
de comentários.
Sou um mero estudante em
busca de crescimento pessoal e profissional. Se, de princípio, minha pouca familiaridade
com a disciplina anuviou a densidade da abordagem, agora fico grato por tê-la
escolhido para enriquecer minha grade curricular. Oriundo do Instituto de
Matemática, onde não abundam as artes menos pragmáticas, o conteúdo reflexivo
exposto pelo Professor se fez ainda mais relevante.
Apesar de minha dificuldade
em comparecer em horário tão matutino, haja vista que meu roteiro estudantil se
fez todo nas horas derradeiras do dia, não me eximi de comparecer e apreciar as
exposições. Sempre estive certo de que mesmo os mais sucintos comentários podem
despertar importantes conclusões.
Inúmeras foram as
dificuldades até chegar neste último ano de curso, tanto na esfera acadêmica
quanto profissional e pessoal. Finalmente estou prestes a me formar e me orgulho
de ter esta disciplina entre aquelas que agreguei a meu histórico. Todas foram
duramente conquistadas e essa não escapa à regra.
Diante de tudo isso, espero
que o Professor, por sua notável benevolência, agracie este humilde estudante
com os dois pontos oferecidos por esse trabalho. Esses não modificarão
radicalmente a média final, mas em muito me ajudarão a obter uma aprovação de
maneira menos fatigante.
Certo de sua compreensão,
encerro agradecendo de antemão não somente os modestos pontos mencionados mas
também a honra de tê-lo acompanhado por todo esse semestre.
São Paulo, junho de 2018.
††††††††††††
Ao Discente Luciano Antonio
Siqueira, dileto aluno da mais importante instituição acadêmica de nosso país.
Estimado discípulo,
Que a razão esteja contigo e
em meio a todos nós.
Recebo agradecido a
simpática e generosa missiva que envias. Tuas palavras chegam em meio a um
turbulento período de atividades. Hás de convir que a rotina do professor
universitário pressupõe desafios para além de preparar e conduzir disciplinas
de graduação (e pós), ao longo dos semestres, ditos “letivos”.
Ontem mesmo, respondi a um
convite para participar de mais um Exame de Qualificação. Sabes bem o que isso
envolve: reservar parte do tempo destinado à docência, pesquisa, extensão e
gestão à leitura de relatórios e capítulos em andamento, produzidos por alunos
que, talvez, tenham a expectativa de se tornarem professores.
Terás ciência de uma
pesquisa realizada recentemente, com seus colegas graduandos? Ela aponta que
pouco mais de dois por cento dos alunos cogitam a ideia de lecionar. Isto se
soma ao fato de que somos cada vez menos (e piores). A cada dia, o vocabulário
empresarial, o senso de competição e a concepção pejotista (repara como
a sigla converteu-se, sem precisar de água benta, em sinônimo de incertos tipos
de gente).
Isto posto, relato o que
meus colegas também atravessam: acúmulo de atividades; cobrança maior para que
publiquemos sobre assuntos – que nem sempre interessam aos demais professores e
menos ainda à maioria dos estudantes – em Inglês (a língua dos bárbaros, como
diziam os romanos, antes da Queda de Constantinopla, no final do século V,
d.C.).
Ao tomar contato com as
vicissitudes que enfrentas, tanto para chegares a este verdejante Campus,
quanto para nele permaneceres, penso de maneira diversa. Cogito ergo sum,
dizia nosso Descartes. É justamente por persistires e perseverares em tua sina
de estudante proveniente de outra unidade que tua alma e mente serão melhormente
forjadas.
Plus ultra, a mesma substância do que
digo, proferida de outro modo, implica estender-te o convite para que te juntes
a nós. Dês prosseguimento aos teus estudos em “nível” de Mestrado e/ou
Doutorado, para que, independentemente do título que venhas a conquistar, possa
recuperar a tradição de formar alunos pensantes e críticos, dentro desta
egrégia Universidade.
Digo esse pouco, por ora,
pois as energias remanescentes precisam ser poupadas para atividades nem tão
prazerosas, ao longo desta jornada e das que virão, com ou seu Deus, togas
arbitrárias e presidentes ilegítimos. Ressalto, finalmente, que o documento fake
que me enviaste foi muito bem avaliado, tendo obtido o conceito Maximum.
Com a esperança de que
continues a cultivar as virtudes do intelecto e da sensibilidade, também neste
período final de recesso acadêmico, abraço-te virtualmente nos termos
reconfortantes de Aristóteles, Cícero e Quintiliano.
Teu Interlocutor, mesmo
território, aos 27 dias de julho de 2018 d.C.,
[1] Trabalho de aproveitamento para
a disciplina CJE0395 – Cultura e Literatura Brasileira: Colônia. A
proposta do trabalho é ser uma paródia estruturada como uma típica carta
colonial do século XVII, dividida em Salutatio, Exordium, Narratio,
Petitio, Conclusio e Subscriptio.
[3] Professor
de Cultura e Literatura Brasileira: Colônia, no curso de Editoração,
na Escola de Comunicações de Artes da USP.
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