domingo, 19 de agosto de 2018


 
Ao mestre Jean Pierre, com carinho
Pode ser que os muito avessos à academia vejam com estranheza essa postagem da Pausa. Mas a verdade é que as fronteiras entre arte e academia deveriam ser mais fluidas, e o texto abaixo demonstra uma tentativa criativa de quebrar tais barreiras entre estes dois campos. É um trabalho do aluno Luciano Antonio Siqueira, resultado da  disciplina ministrada por Jean Pierre Chauvin intitulada Cultura e Literatura Brasileira: Colônia, na USP. A proposta do trabalho é ser uma paródia estruturada como uma típica carta colonial do século XVII, dividida em Salutatio, Exordium, Narratio, Petitio, Conclusio e Subscriptio. Mas é, sobretudo, resultado das trocas imensas entre aluno e professor. Boa leitura!


Missiva acadêmica [1] 


Ao Professor Jean Pierre Chauvin, destacado professor da mais importante instituição acadêmica de nosso país.

Estimado Professor, sua presença nos quadros dessa tão ilustre Instituição engrandece uma trajetória já tão admirável.

Agradeço o imenso privilégio de ter recebido profundos ensinamentos a respeito de nossa história e cultura. Nesse imenso e árido deserto da cultura no tempo presente, as manhãs de segunda-feira tornaram-se valiosa fonte para saciar a sede de conhecimento para além das obviedades de antigos manuais e de tantos intelectuais comentaristas de comentários.

Sou um mero estudante em busca de crescimento pessoal e profissional. Se, de princípio, minha pouca familiaridade com a disciplina anuviou a densidade da abordagem, agora fico grato por tê-la escolhido para enriquecer minha grade curricular. Oriundo do Instituto de Matemática, onde não abundam as artes menos pragmáticas, o conteúdo reflexivo exposto pelo Professor se fez ainda mais relevante.

Apesar de minha dificuldade em comparecer em horário tão matutino, haja vista que meu roteiro estudantil se fez todo nas horas derradeiras do dia, não me eximi de comparecer e apreciar as exposições. Sempre estive certo de que mesmo os mais sucintos comentários podem despertar importantes conclusões.

Inúmeras foram as dificuldades até chegar neste último ano de curso, tanto na esfera acadêmica quanto profissional e pessoal. Finalmente estou prestes a me formar e me orgulho de ter esta disciplina entre aquelas que agreguei a meu histórico. Todas foram duramente conquistadas e essa não escapa à regra.

Diante de tudo isso, espero que o Professor, por sua notável benevolência, agracie este humilde estudante com os dois pontos oferecidos por esse trabalho. Esses não modificarão radicalmente a média final, mas em muito me ajudarão a obter uma aprovação de maneira menos fatigante.

Certo de sua compreensão, encerro agradecendo de antemão não somente os modestos pontos mencionados mas também a honra de tê-lo acompanhado por todo esse semestre.

São Paulo, junho de 2018.
Luciano Antonio Siqueira[2]


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Ao Discente Luciano Antonio Siqueira, dileto aluno da mais importante instituição acadêmica de nosso país.

Estimado discípulo,

Que a razão esteja contigo e em meio a todos nós.

Recebo agradecido a simpática e generosa missiva que envias. Tuas palavras chegam em meio a um turbulento período de atividades. Hás de convir que a rotina do professor universitário pressupõe desafios para além de preparar e conduzir disciplinas de graduação (e pós), ao longo dos semestres, ditos “letivos”.

Ontem mesmo, respondi a um convite para participar de mais um Exame de Qualificação. Sabes bem o que isso envolve: reservar parte do tempo destinado à docência, pesquisa, extensão e gestão à leitura de relatórios e capítulos em andamento, produzidos por alunos que, talvez, tenham a expectativa de se tornarem professores.

Terás ciência de uma pesquisa realizada recentemente, com seus colegas graduandos? Ela aponta que pouco mais de dois por cento dos alunos cogitam a ideia de lecionar. Isto se soma ao fato de que somos cada vez menos (e piores). A cada dia, o vocabulário empresarial, o senso de competição e a concepção pejotista (repara como a sigla converteu-se, sem precisar de água benta, em sinônimo de incertos tipos de gente).

Isto posto, relato o que meus colegas também atravessam: acúmulo de atividades; cobrança maior para que publiquemos sobre assuntos – que nem sempre interessam aos demais professores e menos ainda à maioria dos estudantes – em Inglês (a língua dos bárbaros, como diziam os romanos, antes da Queda de Constantinopla, no final do século V, d.C.).

Ao tomar contato com as vicissitudes que enfrentas, tanto para chegares a este verdejante Campus, quanto para nele permaneceres, penso de maneira diversa. Cogito ergo sum, dizia nosso Descartes. É justamente por persistires e perseverares em tua sina de estudante proveniente de outra unidade que tua alma e mente serão melhormente forjadas.

Plus ultra, a mesma substância do que digo, proferida de outro modo, implica estender-te o convite para que te juntes a nós. Dês prosseguimento aos teus estudos em “nível” de Mestrado e/ou Doutorado, para que, independentemente do título que venhas a conquistar, possa recuperar a tradição de formar alunos pensantes e críticos, dentro desta egrégia Universidade.

Digo esse pouco, por ora, pois as energias remanescentes precisam ser poupadas para atividades nem tão prazerosas, ao longo desta jornada e das que virão, com ou seu Deus, togas arbitrárias e presidentes ilegítimos. Ressalto, finalmente, que o documento fake que me enviaste foi muito bem avaliado, tendo obtido o conceito Maximum.

Com a esperança de que continues a cultivar as virtudes do intelecto e da sensibilidade, também neste período final de recesso acadêmico, abraço-te virtualmente nos termos reconfortantes de Aristóteles, Cícero e Quintiliano.

Teu Interlocutor, mesmo território, aos 27 dias de julho de 2018 d.C.,
Jean Pierre Chauvin[3]



[1]  Trabalho de aproveitamento para a disciplina CJE0395 – Cultura e Literatura Brasileira: Colônia. A proposta do trabalho é ser uma paródia estruturada como uma típica carta colonial do século XVII, dividida em Salutatio, Exordium, Narratio, Petitio, Conclusio e Subscriptio.
[2]     Graduando do curso de Matemática, no Instituto de Matemática e Estatística da USP.
[3]     Professor de Cultura e Literatura Brasileira: Colônia, no curso de Editoração, na Escola de Comunicações de Artes da USP.

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