Por Ademir Demarchi
Poesia use várias vezes ao dia, de Constança
Lucas (São Paulo, Patuá, 2014)
Nesse
livro finalmente podemos ver reunido o trabalho de Constança Lucas que, por
anos e anos, quem se relacionou com ela recebeu na forma de cartões postais,
sempre primando por se expressar no que ficou conhecido como “poesia visual”.
Essa
prática, em geral associada com a “arte postal”, conjuga exercícios de explorar
os sentidos instituídos da arte e da literatura, buscando as frestas da
experimentação informal, despreocupada com os meios tradicionais como “quadro”
ou “livro” como veículos de expressão.
Graças
à Patuá esses poemas visuais são agora reunidos num só lugar, sem que se perca
seu caráter de experimentação, uma vez que os livros dessa editora são como
“cartas” que recebemos, quer pelo primor de realização, quer pelas pequenas
tiragens que os fazem luxo de alguns, porém não por serem exclusivos mas porque
essa é hoje a forma possível de publicação de poesia no país.
Nos
poemas visuais de Constança, primando por essa experimentação, a palavra sempre
esteve presente, criando um ruído na imagem e se incorporando a ela como um
conteúdo transcendente. O livro, porém, se abre com um conjunto de poemas
convencionais, se assim podemos chamá-los, uma vez que as imagens que deles se
sobressaem estão apenas nas palavras, pois são poemas escritos e não desenhados.
A tensão de escrever, porém, para essa artista, está expressa num dos desses
poemas marcados pelas palavras:
“linhas”
traço
linhas espessas
contorno
sons das vogais
guardo
as consoantes
instantes
de naufrágio,
desejos
consumidos
escrevo
para respirar
Eis mais alguns poemas do livro Poesia use várias vezes ao dia, de
Constança Lucas:
ventanias
deste-me ventanias
recolhi as chuvas, e
desenhei com nuvens
no medo de te perder
em vão procurei
raízes nas paisagens
sento-me
à beira da espera e espero
sonoras margens a nos acordar
refazem as esquinas não cumpridas,
tantos caminhos atravessados no tempo
e as palavras povoam universos
sento-me à beira da espera e espero
por vozes sinceras, observo o mar
poema sim poema não
poesia não salva ninguém que espera ser salva, poesia não reanima nada que tenha mofo, poesia não ressuscita paixões inexistentes, poesia não cura maleitas de psicopatas enrustidos, poesia não ativa ruídos desastrosos, poesia não ama gramáticas de plástico, poesia não tem identidade única, poesia não tosse na praia, poesia não deixa peles secarem, poesia não é receita de nada, poesia não poesia sim, poesia é uma trovoada de sonoridades, poesia é ritmo de palavras e corpos voadores, poesia sim é universo de multiplicidade, poesia é cantar e berrar ao mesmo tempo, poesia é entupir os tolos de ideias que nunca entenderão, poesia é forma de vida como esta e mais milhões de poemas que flutuam nas almas inquietas
Obrigada pelo texto sobre a minha poesia - valeu !!!!!!
ResponderExcluirabraços
Constança