70 Carte per una poesia, 2004 de Fulvio Leoncini
Por Marco Aurélio Cremasco
Anda. Às vezes tropeça em paralelepípedos.
Quando existem. Ontem parou para ouvir pardais. Pardais? Na infância eram
górgonas que habitavam o forro das casas. Hoje, vêm à forra: continuam
cantando, enquanto ela gorjeia a solidão da idade. Arrasta-se nas sequelas do
AVC. O que fazer? Aquário municipal. Mergulha. Brinca de não respirar.
Arrepende-se. Bolhas, peixes multicoloridos e o movimento indescritível das
mãos buscando o mar ensimesmado. Sente algo que toca a cabeça. – Toc, toc. Vê
um cavalo-marinho (barrigudinho e de bico inchado) perguntando-se. – Haverá
vida além do escafandro? Anda. Senta no banco da praça e abre o jornal. Fecha.
As notícias se repetem, os personagens também, pois nem isso conseguiram mudar.
Anda. Escarafuncha a memória, resgatando cada coisinha de dar dó. Retorna para
casa. Banha-se. Alimenta-se. Copo de leite morno. Deita-se. Diverte-se enquanto
conta carneirinhos (ela é daquele tempo). Dorme. Não sonha. Acorda. Não sabe
como sair da cama com aquela carneirada toda à volta, pastando sonhos como se a
morte não existisse e a vida... ora. Levanta. Ar seco. Água. A lágrima reflete
o vaso de alface. Nada. Procura viver sorrindo, à toa, feito golfinho.
Perambula pela casa. Sai à varanda. Às vezes gargalha, provocando revoada de
maritacas. Uma pousa nos ombros. Conversam feito comadres. – As nuvens são
flocos de algodão onde anjos descansam – afirma uma maritaca. Besteira! – ela
retruca – Você não sabe que as nuvens são feitas de vapor de água? Flocos de
algodão? Anjos preguiçosos? Que bobice! Eles as procuram para matar a sede.
Entendeu? Os pássaros entenderam. Volta ao próprio corpo e oferece a face ao
céu. A chuva, miúda, tece pintinhos que, quando piam, fazem desabrochar
margaridas de basilicão. Engana-se. Não foi a chuva, porém orvalhos de
ar-condicionado. Sacia as plantas e o manjericão agradece, exalando-se todo. –
E aquela ali? Oferecida. Rosa, Rosa! Vê se fecha essas pétalas, menina! Ri de
si mesma. Engasga-se de tanto rir e percebe-se só. Tão só. Tão. Vontade louca
de se despregar da idade. Vontade de ser uma borboleta e, talvez, não mais: ser
a lagarta dessa borboleta ou o casulo para protegê-la dos próprios pensamentos.
Resiste. – Resisto! É preciso resistir. Comprarei uma saia, algo de minha época
de mocinha. Tenho aposentadoria. Hoje é o dia de recebê-la. Faço-me bonita e o
espelho não é atrevido o bastante para me desmentir. Arrasto-me. Ignoro o
barulho da metrópole e o olhar férreo em semblantes aflitos. Evito o desleixo
das calçadas e levito como se levada por maritacas. Chego ao Banco. Embrenho-me
naquele amontoado de gente. Arrasto-me. Tomo a fila e dirijo-me à moça bonita,
de lábios encarnados, bem cuidados, que me dá o salário, como esmola ou
obrigação, apesar de toda a vida, de toda... Ando enquanto consigo, ainda que a
velha sandália peça trégua e as pernas, cama. Ando. Os problemas necessitam,
sempre, de companhia. Ouçam!, peço. Ouçam!, imploro. Quero que me ouçam. Não
sou o problema, sou a companhia.
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