quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Por Flávio Viegas Amoreira

Flávio de Carvalho, engenheiro, arquiteto pioneiro do modernismo no Brasil, agitador cultural, artista plástico, pensador é das mais "deleuzianas" figuras que antecederam o pós-estruturalismo: o homem que afrontou a moral careta de São Paulo durante 50 anos viveu a revolta sem ressentimento : "resistir à morte, à servidão, ao intolerável, à vergonha, ao presente" segundo Deleuze pode se encaixar perfeitamente ao Flávio de saias pela Barão de Itapetininga, o imoralista priápico, o mestre do traçado que imortalizou os últimos momentos da mãe: alguém que pranteava criando. A existência como "experiência" : Flávio era um projetista do futuro, um virtuose de novos moldes de expressão: Flávio era do caralho! Rizomático gozador que deitou sementes libertárias, mesmo que ainda não valorizado pela extensão e profundidade imanente de sua obra desconcertante. Acabei de ler a imensa e deliciosa biografia do bruxo de Valinhos escrita por J. Toledo:

Flávio de Carvalho, o comedor de emoções (Editora Unicamp/ Brasiliense), um amplo estudo que deve ser achado ainda em sebo ou nos sites de busca. Dessa obra-prima de pesquisa sai carregado de signos recheado de significados: Flávio antropofágico, Flávio regurgitofágico na linha dum Glauber ou Michel Melamed que o sucederiam, Flávio nudista, Flávio santista ocasional que descia a serra para visitar a futura "diva" Cacilda Becker, Flávio visionário do caos cibernético e do vazio de sentido que só seria vencido com Arte militante, cotidiana, Arte como modo de operacionalizar o Absurdo. A casa de Valinhos, as primeiras bienais, o conjunto edificado na Alameda Lorena, onde andará o pensamento de Flávio de Carvalho pelas ruas de Sampa?

O arquiteto de saia pelas ruas de Sampa


Como o mundo tornou-se reacionário e "inapetitoso" para quem curte horizontes multifacetados e a orgia de todas sensações ilógicas! Combatia o que mais fode nossa convivência cultural: "as panelinhas pegajosas"; psicodélico já nos anos 30, Flávio foi dos nossos mais criativos artistas multimídias : quem sabe sua personalidade performática não tenha esfumaçado seu legado: como retratava descontruindo cromaticamente desde Jorge Amado a Vinícius de Moraes! e com que arrojo elaborava croquis para construções nunca aprovadas. Seu esboço para o Paço Municipal de Sampa é digno de Fritz Lang : Flávio projetava como quem realiza concretamente Metrópolis ou Blade Runner.

"Qualquer abertura para um mundo diferente é visceral e os mundos são muito importantes porque impedem a esteriotipação do organismo"; todo universo como organismo deve re-inventar-se, como não ser um padrão estatístico numa sociedade cada vez mais idiotizada pelo consumo e pela burrice glamourizada? "O homem deve impedir o homem de se estragar na vertigem do mundo..." Flávio escandaloso por convicção, iconoclasta de todas liberalidades criativas, lacaniano sem o saber previa o homem cada vez mais pré-uterino e a mulher poderosamente fálica, foi definido em definitivo por Oswald de Andrade: "Sem óculos, só posso ver com os olhos da alma – e os olhos da alma, eu tenho sempre voltado para o antropófago Flávio de Carvalho". Detalhista e polimorfo, intelectivo e emocionalíssimo, segundo Murilo Mendes era um ´mix´ de Descartes com Lautréamont... Chegada a hora de saudar Flávio de Carvalho! São Paulo merece estar altura do seu desejo surrealizado: Flávio de Carvalho deve ser resgatado pela juventude ainda movida por neurônios autônomos e sinapses poderosas capazez de sacudir esse trôpego planeta chamado babaquice conformista...

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