quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Por Flávio Viegas Amoreira

Abril de 1886, a super-estrela Sarah Bernhardt despede-se de Oscar Wilde em Bordeaux embarcando em turnée pela América do Sul: recebida pelo imperador D. Pedro II, interpreta Fedra de Racine (minha tragédia preferida) no Rio e eterniza sua passagem em Santos ao ferir-se no palco Guarany: o imponente teatro no porto paulista ficaria marcado por representar o esplendor do café, da bellé epoque e urbanização. Refere-se assim em seu diário: "Há um lugar magnífico mesmo com a febre amarela, Santos: onde do mar se avista uma floresta virgem em todo seu esplendor". O Guarany inaugurado em 7 de dezembro de 1882 era dum aconchego civilizatório raro numa cidade ainda toda alagadiça e por se fazer à custa do suor escravo e da chegada dos imigrantes que reporiam a labuta dos cativos libertos.

Benedito Calixto ganhou notoriedade com seus afrescos e suntuosa decoração. Desde a construção até seu ressurgimento das cinzas, o Guarany teve como sustentáculo a sociedade civil como mantenedora e impeditiva de sua extinção. Reerguido, senti imensa felicidade em saber que a História repunha seu traço em nosso destino; o trabalho de Calixto agora estava nas mãos preciosas dum dos mais originais artistas plásticos brasileiros: Paulo Von Poser, arquiteto sensibilíssimo, restaurador e mais característico pintor dum país chamado Sampa. Von Poser refaz em nanquim, grandes telas ou desenhos meticulosos da metrópole o percurso de Rugendas ou Franz Post transmoderno, isso em Sampa. "Não nada mais difícil para um pintor do que pintar uma rosa, pois antes disso ele precisa esquecer-se de todas as rosas que foram plantadas" diz Matisse; poderiam estar no cultivador de rosas cósmicas: Von Poser. No Guarany , sem ser hiperbólico, suas noites passadas por sobre andaimes são dignas dum Michelangelo dos trópicos.

Presente em bienais, cenógrafo, agitador multimídia, - é capaz de esquadrinhar pictoricamente a metrópole apartir dum dirigível pelos ares da Paulicéia com mesma perícia milimetricamente encantada com que desabrocha rosas sinestésicas: mais do que o pintor das rosas e de Sampa, é explorador da Alma através de rara perspectiva, têmpera e rumor urbano das cores. Na sua obra, Von Poser faz a colheita das evanescências, semeia a infinitude apartir da fugacidade: é o pintor dum Tempo dilacerado em pétalas, não acumulador de destroços: um criador profundo do Belo como operário "de estruturas visceralmente regulares" (Levi-Strauss).

Santistas! quando vislumbrarem a abóbada e as paredes dum detalhismo microscópico sob a égide de Carlos Gomes e José de Alencar tenham dimensão do esforço empreendido por esse artesão da poesia em concretude : a Arte imorredoura talhada cromaticamente na Praça dos Andradas nos fará dizer: um gênio passou por aqui... Paulo Von Poser foi presente do Brasil para Santos. Calixto deve estar dizendo amém.

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