segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Mais uma crônica de Ademir Demarchi sobre sua passagem pelo México 


Um dos museus mais curiosos da Cidade do México é o da Casa Museu León Trotsky, que fica no local onde esse revolucionário russo viveu, de 1939 até ser assassinado em 1940 por Ramón Mercader, acreditando que estava bem protegido depois de fugir à perseguição de Stalin, iniciada quando Lênin morreu e Stalin passou a ser o grande ditador da URSS. Mercader, para quebrar o forte esquema de segurança, fez amizade com Trotsky até ganhar sua confiança, a ponto de poder colocar-se às suas costas, enquanto ele lia um fictício artigo de jornal que levara para obter aprovação, momento adequadamente usado para enfiar uma picareta na cabeça do russo. 

A história foi bem divulgada mundialmente pela notabilidade de Trotsky. Mercader, por sua vez, aparece em fotos logo após o atentado, cheio de hematomas e bandagens, denotando que foi bem caceteado. Mas, depois disso, tornou-se famoso, foi muito bem recebido e premiado na União Soviética pelos estalinistas e dizem que endoidou. Há vários  livros sobre ele, pois a história é cheia de meandros: além de trair a confiança de Trotsky, para matá-lo  usou a mulher com quem era casado, militante destacada do trotskismo.

Antes de morar naquela casa, Trotsky morou com os pintores Frida Kahlo e Diego Rivera, que foi quem pessoalmente se empenhou e pediu ao presidente mexicano que desse abrigo ao russo. A belíssima casa de Frida, hoje museu, preserva tal como eram os aposentos em que Trotsky foi hospedado. Depois, ele se mudou para a casa que é hoje seu museu, que foi reforçada com muros altos e guaritas de segurança. 

Durante o tempo em que lá viveu, ele usava 4 espaços: uma moradia para os empregados; sua casa, ligada a uma biblioteca e escritório onde trabalhavam outras pessoas, ajudando-o a escrever artigos para jornais e respondendo correspondências, pois seu ativismo era intenso; o outro espaço era um agradável jardim, com plantas como cactos que ele colhia em caminhadas pelo campo, registradas em fotos, sempre na companhia de intelectuais, militantes e seguranças. Havia também no jardim prosaicos galinheiros e criatórios de coelhos: lá ele se distraía nos momentos de descanso, alimentava os bichos e limpava o lugar.

Tudo está lá, quase tal como ficou após seu assassinato e tanto se preservou esse momento que até os buracos das balas de fuzis estão nas paredes para serem vistas. Há certo desarranjo no galinheiro, mas o jardim está bem cuidado, uma vez que seu túmulo e de sua mulher, Natalia, fica lá. Por todo o espaço há fotos de vários momentos de sua história, que se compõem com os livros nas estantes. 

Isso é tudo e ao fim da visita parece restar um vazio de insatisfação, talvez porque os galinheiros estão vazios... ou porque nos outros museus que se visita, como os de Diego e de Frida, há mais movimento, mais objetos e arte para se ver. De Trotsky restaram os livros de história e memória, esses sim os registros que dão a dimensão de sua importância na Revolução Russa, que foi afinal mais um desses eventos em que moer carne humana aos milhares de unidades na guerra era rotina e Trotsky, como líder e criador do Exército Vermelho, teve papel fundamental nisso no momento de implantação do estado soviético.

Esses museus de Frida e Trotsky estão num mesmo e belo bairro, Coyoacán, onde estão também as Casas do terrível Cortés e a de La Malinche, a índia asteca dada a ele em oferenda e que se tornou sua mulher, a ponto de o ter ajudado a derrotar os astecas atuando como intérprete. 
É um bairro muito aprazível, com uma grande praça ajardinada, além de vários outros museus, que se percorre numa caminhada até outro bairro, San Ángel, com feiras, livrarias, lojas de artesanato, restaurantes e docerias que aos poucos distraem o turista alegrando-o após a constatação de que a história se faz com carnificina, e lá estão os museus para lembrar.

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