sábado, 26 de novembro de 2011

Alessandro Atanes, para o Porto Literário

Em seus diálogos com Osvaldo Ferrari, gravados em 1984 para a Rádio Municipal de Buenos Aires, o escritor argentino Jorge Luis Borges de artes plásticas e lembrava como o inglês William Turner (1775-1851, Cores e luzes de Turner) foi o primeiro pintor a dar importância à paisagem:

Turner foi o primeiro que realmente viu as nuvens, viu os rochedos, viu as árvores, viu a neblina e certos efeitos de luz. E tudo isso, segundo Ruskin, foi uma descoberta pessoal de Turner... E Chesterton disse que o protagonista da pintura de Turner é The english weather (O tempo ou clima inglês), mas não falando do tempo sucessivo, cronológico, mas, bem, de diversos modos ou hábitos do tempo, sobretudo os crepúsculos, as neblinas, as luzes.

O Castelo, de Turner, do acervo do Masp

I A paisagem na pintura

A sensibilidade de Turner para os elementos do tempo é uma das principais forças do romantismo inglês na pintura, tão ligado à paisagem (por causa de seu trabalho com a luz, Turner seria também uma grande influência na formação do impressionismo). De país a país, Borges vai nos diálogos lembrando de outros românticos e paisagens, e chega aos pampas argentinos descritos por Esteban Echeverría (1805-1801), representante portenho do romantismo, como um “imenso pélago verde” (pélago é o mar profundo).

Mas aí Borges discorda desta comparação comum da planície com o mar: “Pessoalmente, eu o sinto de um modo diferente, porque no mar há um mistério, no mar há uma mudança contínua que não se manifesta na planície, eu acho”. É a diferença, diz em outro local, entre Dom Quixote, um livro da planície, e a literatura portuguesa, pensando em Os Lusíadas, provavelmente, voltada para o mar, que “sente o mar”.

Mais à frente ele continua e, em seguida demarca um porém quando aparece a montanha na paisagem: “... sempre fui míope e agora sou cego, mas tenho a impressão de que a planície é igual em todo mundo... Por outro lado, diríamos que cada montanha é distinta, que cada montanha é um indivíduo”.

II A paisagem na poesia
O mistério do mar e a distinção da montanha. Por isso, retomo aqui o poeta peruano Javier Heraud (1942-1963), que tenho traduzido aos poucos neste Porto Literário. Na parte 4 de seu longo poema dedicado ao outono, À espera do outono, Heraud usa os dois elementos para descrever a expectativa pela chegada da estação:

4
Estou à espera do outono.
Agora que tudo parece desmoronar
estou esperando pelo outono,
depois viajaremos pelos mares,
agora estou à espera do outono,
depois apontaremos os culpáveis,
estou esperando pelo outono,
mais adiante conhecerei as montanhas ignoradas,
tem que se aproximar já o outono,
depois pensaremos nos reinos arruinados,
agora estou à espera do outono,
em outro momento leremos os poemas esquecidos,
em outro momento as cartas recebidas,
depois escreverei os dias do verão,
depois os dias do inverno.

Agora e sempre,
como todos os anos
na mesma época do ano,
agora e sempre,
estou à espera do outono,
do mesmo eterno outono,
do outono das árvores,
do outono das luzes,
do outono das casas e das flores.
Agora e sempre,
estamos esperando pelo outono,
estamos à espera do outono,
esperando pelo outono,
à espera do outono,
do mesmo outono.

Talvez seja um turvamento causado pela leitura, mas a música e o encadeamento dos versos de Heraud não sugerem uma névoa verbal equivalente à da paisagem de Turner?

Referências:
Jorge Luis Borges. Sobre a amizade e outros diálogos. Organização e tradução: John O’Kuinghttons. São Paulo: Hedra, 2009.
Javier Heraud. En espera del otoño. In: Estación Reunida (Lima, 1961). In: Poesía Reunida. Lima, Peru: Peisa, 2010.

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