Alessandro Atanes, para o Porto Literário
Após dois ensaios sobre o livro O mal de Montano, do espanhol Enrique Vila-Matas (Portos literários no Porto Literário e Inflamado de literatura), no qual o tema é a literatura como doença (o mal de Montano) que faz a experiência pessoal de cada personagem acessível apenas pela intermediação da literatura, não poderia deixar de retomar um dos casos clínicos mais conhecidos do mal de Montano, o do escritor argentino Jorge Luis Borges, que, costumam dizer, vivia apenas para a literatura.
Após dois ensaios sobre o livro O mal de Montano, do espanhol Enrique Vila-Matas (Portos literários no Porto Literário e Inflamado de literatura), no qual o tema é a literatura como doença (o mal de Montano) que faz a experiência pessoal de cada personagem acessível apenas pela intermediação da literatura, não poderia deixar de retomar um dos casos clínicos mais conhecidos do mal de Montano, o do escritor argentino Jorge Luis Borges, que, costumam dizer, vivia apenas para a literatura.
Mas o objetivo aqui é outro, é aproveitar a escrita irônica e autorreferente de Vila-Matas para, invertendo a infecção pelo mal de Montano, lembrar que Borges não era somente um ser devorador de livros (ainda que dissesse que tinha mais orgulho dos livros que leu do que dos que escreveu). Isto é, vou usar Borges e Vila-Matas, que me perdoem a presunção, para voltar a algo que tenho combatido uma ou outra vez neste espaço: a ideia de que a literatura, a arte em geral, é um refúgio da vida real, como se os livros nos afastassem dela, uma visão obscurantista ou, no mínimo, preguiçosa.
Basta passar os olhos (nem precisa ler de uma vez, como Borges dizia que fazia com seus livros preferidos, ele os lia aleatoriamente, saltando páginas, sem nunca ter lido nada do começo ao fim) em seus diálogos publicados recentemente pela editora Hedra em três volumes. Nestas transcrições de uma série de entrevistas transmitidas pela Rádio Municipal em 1985, um ano antes de sua morte, vemos em Borges algo muito diverso: o gosto pelas viagens, o valor da amizade e do amor, o prazer em conhecer pessoas, dar aulas (ainda que não se achasse um bom professor), conferências, trocar ideias e, principalmente, o gosto pelo diálogo (ainda mais reforçado pela cegueira que lhe tirou a capacidade de escrever sua obra, que passou a ser ditada nos anos finais de vida).
Em uma das entrevistas conduzidas por Osvaldo Ferrari [foto], justamente Sobre os diálogos, Borges elogia a conversa, ação que existe apenas quando há o contato fraterno entre duas pessoas (algo completamente oposto ao isolamento “literário” tão colado em Borges):
Bem, eu tento esquecer todos os muitos preconceitos que tenho, e no Japão, aprendi aquele admirável hábito de supor que o interlocutor tem razão. Podemos estar errados, o interlocutor pode estar tão errado quanto nós, mas, de qualquer forma, o fato de supor que o interlocutor tem razão é um bom prelúdio para o diálogo.
Referências:
Jorge Luis Borges. Sobre a filosofia e outros diálogos. Organização e tradução: John O’Kuinghttons. São Paulo: Hedra, 2009.
Jorge Luis Borges. Sobre os sonhos e outros diálogos. Organização e tradução: John O’Kuinghttons. São Paulo: Hedra, 2009.
Jorge Luis Borges. Sobre a amizade e outros diálogos. Organização e tradução: John O’Kuinghttons. São Paulo: Hedra, 2009.
Borges é o Rei.
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