Alessandro Atanes, para o Porto Literário
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Revista Guaiaó
Na segunda metade do século XIX, entre 1865 e 1869, o célebre pensador, diplomata e aventureiro Richard Burton exerceu o cargo de cônsul britânico na cidade de Santos. Este é o tema da principal reportagem do nº 1 da revista Guaiaó, publicação quadrimestral editada pelo fotógrafo Marcos Piffer. Buscando os rastros de Burton pela cidade, Søren Knudsen, “nascido na Dinamarca e santista de coração”, nos traz relatos do então capitão e de sua esposa, Isabel Arundell, a atividade intelectual dos dois por aqui, onde começaram a traduzir a “Iracema” de José de Alencar e “Os Lusíadas” de Camões e até uma declaração de Burton para a Revista Comercial de Santos que teria sido preparada para uma publicação nunca lançada.
Destaca-se a sensibilidade de Knudsen ao optar por nos oferecer a própria escrita de Burton, ao transcrever uma passagem inteira de um relato, levando o leitor a uma relação direta com o personagem em que quase se pode ouvir sua voz. Ficou faltando – e isso é só meu gosto, não defeito da matéria – que o autor nos contasse como chegou a estes documentos, onde estão (se não for um segredo historiográfico), se há reproduções ou traduções para o português.
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Circulação de livros
Lançada em novembro, a Guaiaó foi um prenúncio do que viria alguns dias depois.
Na segunda-feira, 5 de dezembro, uma série de autores se encontraram para comemorar os 25 anos da Pinacoteca de Santos, além da leitura de poesias e música, muitos livros vieram à luz. Na ocasião, Ademir Demarchi, poeta e editor, lançou pela editora artesanal Sereia Ca(n)tadora novos livros de Flávio Viegas Amoreira e Madô Martins; Tarso Ramos, compositor e pianista à frente do quarteto Quatro Quartos, lançou seu primeiro livro, “Ciência da música: da teoria à regência”, uma produção independente; Márcio Barreto publicou pelas Edições Caiçaras, outro selo artesanal, uma antologia de poesia brasileira organizada por Marcelo Ariel; Regina Alonso esteve lá com exemplares de seu recente “Santos: Natureza e Arquitetura em fotopoemas”, lançado com recursos do Fundo Municipal de Cultura de Santos, assim como “Jacinto, o Sansão do Cais Santista”, de Sérgio Wilians, programado para ser lançado em 15 de dezembro.
Na terça-feira, dia 6, surge mais um selo cartonero, o Estação Catadora, lá no ponto de cultura Estação da Cidadania e Cultura, onde atua o Fórum da Cidadania, com o livro “Santos revisitada”, reunião de poemas, relatos e ensaios de participantes da oficina Conheça Santos por meio da Literatura, promovida por este colunista no local. A Associação Projeto Tam Tam adotou o mesmo procedimento e esta lançando hoje (9/12) dois livros artesanais. Livros com capas de papeão, independentes ou escolhidos por edital público, não importa. Em comum, a completa independência de editoras. No dia 14, no Sesc Santos, Márcio Barreto promove a Vitrine Literária, que vai engrossar a lista de publicações na cidade.
Epílogo
Outro porto literário
Continua a leitura de “El mal de Montano”, romance do espanhol Enrique Vila-Matas, e continuam surgindo cenas de cidades portuárias. Desta vez, é Lisboa, descrita a partir de um café à beira do Atlântico. A tradução é minha:
Neste Café Antinel está o fim da terra, o finis terrae, termina Lisboa e termina aqui o livro, o diário de Cardoso Pires, de quem seu bom amigo Antonio Tabuchi dizia que tinha um olho infalível: “Uma olhada e entendia tudo”. Como agora estou na mesma mesa na que acaba o livro de Cardoso – Zé para os amigos – tenho a cidade às costas. A Baixa, o Chiado, a multidão, Europa, tudo ficou para trás. “E não me digam”, escreve Zé, “que não é uma felicidade estar desta maneira, em uma mesa, sobre a água”. Amanhã voltarei para Barcelona e ao dicionário redigido em meu escritório e não na mesa de um café portuário.
Referências:
Revista Guaiaó
Vitrine literária
Henrique Vila-Matas. El mal de Montano. Barcelona, Espanha: Anagrama, 2002.
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