sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Alessandro Atanes, para o Porto Literário

Como um recomeço, retomo hoje uma afirmação que fiz no primeiro texto para o Porto Literário, lá em 2005, e na apresentação do livro Esquinas do Mundo: Ensaios sobre História e Literatura a partir do Porto de Santos. É uma ideia que tem norteado minha pesquisa sobre como os portos são retratados na ficção: a de que, na sentença de Franco Moretti, “cada espaço determina, ou pelo menos encoraja, sua própria espécie de história”. Como exemplo eu dava as histórias de naufrágio, que não podem abdicar de um porto.

Foram assim também as viagens do descobrimento da América, sem um porto elas não aconteceriam (ou seriam também um naufrágio as chegadas de Colombo e Cabral ao Novo Mundo?). De forma alegórica, essa matriz narrativa volta a ser usada por José Saramago em O Conto da Ilha Desconhecida (leia aqui).

Na história, um homem bate à porta do rei para lhe pedir um barco que o levasse a encontrar uma ilha desconhecida. Neste livro de 1997, já no final do século XX, com todo o planeta já mapeado, Saramago transforma a descoberta em viagem interior.

É em um porto de um reino que se dá o enredo. Após conseguir o barco, mas sem antes ouvir que já não há mais ilhas desconhecidas, o protagonista inicia os preparativos para a viagem. Quem o acompanha é a mulher da limpeza do palácio do Rei, quem havia atendido à porta quando o homem ali fora pedir a embarcação. A determinação do homem ao enfrentar o Rei a faz tomar a decisão de acompanha-lo em busca da ilha desconhecida.

Os dois conversam:
Disseram-me que já não há ilhas desconhecidas, e que, mesmo que as houvesse, não iriam eles tirar-se do sossego dos seus lares e da boa vida dos barcos para se meterem em aventuras oceânicas, à procura de um impossível, como se ainda estivéssemos no tempo do mar tenebroso, E não lhes falaste da ilha desconhecida, Como poderia falar-lhes eu duma ilha desconhecida, se não a conheço, Mas tens certeza de que ela existe, Tanta como a de ser tenebroso o mar
E o próprio barco tornou-se a ilha desconhecida.

No vídeo abaixo, o documentário Em busca da ilha desconhecida, sobre Saramago, um filme de Davi Khamis com narração de Paulo Autran e trilha sonora de Fernando Chui e com Xote de Navegação, por Chico Buarque e Dominguinhos.



Referência:
José Saramago. O conto da ilha desconhecida. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

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