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Ilustração de Marcos Garuti |
Por Marcelo Carota
Conheço uma história bem bacana sobre Cosme e Damião.
Quem contou foi o Jaguar, cartunista e fundador d'O Pasquim.
Anos 60, no Rio, houve uma "república" tão
fascinante quanto a que dividiram, no início do século XX, na Espanha, Lorca,
Dalí e Buñuel, todos ainda desconhecidos, mas preparando-se para a eternidade.
Aqui, num cafofo na Lapa, dividiram teto Jaguar, Rogéria e o
pernambucano João Francisco dos Santos - assim, como no RG, não dizia nada,
mas, se se falasse "Madame Satã", expressaria reverência todo o
pessoal que ela protegia [putas, michês, punguistas e demais contraventores, e
todos lhe pagavam a proteção], enquanto seus desafetos, desde o Mangue até o
Beco do Rato Molhado, gelariam as espinhas.
Simples: Satã, que viera da mais profunda miséria, era tão
leal aos seus quanto extremamente perigosa para os que a desafiavam.
Não bastasse ter aquela disposição que só têm os que foram
ao inferno e voltaram, Satã tinha um pavio milimétrico, era exímio capoeirista,
e especializado numa modalidade a que poucos se prestam: lutar com uma navalha
em cada pé, presas entre o dedão e o dedo médio.
Na mesma Lapa, nessa época, outras duas figuras gozavam de
certa - e abjeta - fama: dois policiais que, pelo prazer covarde e sádico de
mandar balas em crianças, se autodenominavam "Cosme e Damião".
Isso durou até o dia em que Satã, já farta de ver sua gente
chorando morte de crianças, mandou o aviso: ou paravam imediatamente com
aquilo, ou se veriam com ela.
Um misto daquela arrogância tão comum aos que têm um
poderzinho de merda com a cobiça de mandarem Satã ou pra trás das grades ou pra
baixo da terra fez com que os policiais matassem mais crianças logo após o
aviso.
Uma noite, fazendo a ronda, viram Satã chegar.
Montada.
Limpou o batom, tirou os cílios, as plumas, arremessou o
chapéu, descalçou as sandálias, e desafiou:
- Venham em mim. os dois de uma vez, mas na mão.
Foram, mas com os cassetetes,
Satã colocou as navalhas entre os dedos dos pés.
Primeiro, arrebentou-os com os punhos, depois
"assinou" a obra em pontos que não colocaria suas vidas em risco.
Depois da coça, pediram transferência.
E foi um custo pro quartel conseguir substitutos.
Houve "troco", é claro, e muitos - Satã morreu
muito mal, na cadeia.
Mas todos os "trocos" sempre em bando e na
surdina.
Tinham a exata noção de que a diaba sabia exatamente pra
quem aparecer.
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