quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Ilustração de Marcos Garuti
Por Marcelo Carota


Conheço uma história bem bacana sobre Cosme e Damião.

Quem contou foi o Jaguar, cartunista e fundador d'O Pasquim.

Anos 60, no Rio, houve uma "república" tão fascinante quanto a que dividiram, no início do século XX, na Espanha, Lorca, Dalí e Buñuel, todos ainda desconhecidos, mas preparando-se para a eternidade.

Aqui, num cafofo na Lapa, dividiram teto Jaguar, Rogéria e o pernambucano João Francisco dos Santos - assim, como no RG, não dizia nada, mas, se se falasse "Madame Satã", expressaria reverência todo o pessoal que ela protegia [putas, michês, punguistas e demais contraventores, e todos lhe pagavam a proteção], enquanto seus desafetos, desde o Mangue até o Beco do Rato Molhado, gelariam as espinhas.

Simples: Satã, que viera da mais profunda miséria, era tão leal aos seus quanto extremamente perigosa para os que a desafiavam.

Não bastasse ter aquela disposição que só têm os que foram ao inferno e voltaram, Satã tinha um pavio milimétrico, era exímio capoeirista, e especializado numa modalidade a que poucos se prestam: lutar com uma navalha em cada pé, presas entre o dedão e o dedo médio.

Na mesma Lapa, nessa época, outras duas figuras gozavam de certa - e abjeta - fama: dois policiais que, pelo prazer covarde e sádico de mandar balas em crianças, se autodenominavam "Cosme e Damião".

Isso durou até o dia em que Satã, já farta de ver sua gente chorando morte de crianças, mandou o aviso: ou paravam imediatamente com aquilo, ou se veriam com ela.

Um misto daquela arrogância tão comum aos que têm um poderzinho de merda com a cobiça de mandarem Satã ou pra trás das grades ou pra baixo da terra fez com que os policiais matassem mais crianças logo após o aviso.

Uma noite, fazendo a ronda, viram Satã chegar.

Montada.

Limpou o batom, tirou os cílios, as plumas, arremessou o chapéu, descalçou as sandálias, e desafiou:

- Venham em mim. os dois de uma vez, mas na mão.

Foram, mas com os cassetetes,

Satã colocou as navalhas entre os dedos dos pés.

Primeiro, arrebentou-os com os punhos, depois "assinou" a obra em pontos que não colocaria suas vidas em risco.

Depois da coça, pediram transferência.

E foi um custo pro quartel conseguir substitutos.

Houve "troco", é claro, e muitos - Satã morreu muito mal, na cadeia.

Mas todos os "trocos" sempre em bando e na surdina.


Tinham a exata noção de que a diaba sabia exatamente pra quem aparecer.


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