quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Ilustração de Jenny Frison

Por Miriam Daher

Por ter sido educada com o rigor da época, Mariana lembrou-se que seu pai não permitia que os irmãos falassem palavrões na frente das meninas. Estudara e fora educada em colégio de freiras, onde a biblioteca vivia trancada a chave e se as meninas pretendessem pegar algum livro, tinham que pedir permissão à madre supervisora

Mariana, então com 12 anos, ouviu falar de um poeta italiano chamado Giovanni Boccaccio e, como gostava de ler poesia, escreveu num papel o nome complicado, em cujo sobrenome havia quatro cês e entregou nas mãos da supervisora que, quando bateu os olhos, a garota teve a impressão de que a freira pegara em algo fervente, a ponto de imaginar que a estava queimando e de que iria jogar fora.

-Quem lhe deu essa indicação de leitura?
-Uma amiga minha, vizinha.
-Quantos anos tem sua amiga?
-Quatorze anos.
-Ela estuda aqui no colégio?
- Não senhora. Estuda num colégio misto, garotos e garotas.
-Logo vi! Seu pai precisa saber disso.
-Por que madre? Não é um bom poeta?
- Um pernóstico, indecente e não é leitura para uma menina de doze anos.
-Desculpe, eu não podia imaginar. Ela me disse que Boccaccio era especialista em Dante Alighieri e achei...
- Não achou nada...
-A senhora já leu?
-Me respeite!

No outro dia, o telefone de quatro números, Mariana se lembra bem, 3423, tocou logo cedo e a madre supervisora teve uma longa conversa com seu pai. Resultado: proibição de conversar com a vizinha tão querida e ficar quatro semanas sem ir ao cinema com os irmãos mais velhos.
Não perdia nada. Eles só queriam assistir ao Zorro e ao Tarzan...
Culpa do Boccaccio, que ódio!

Hoje, ela tem sua coleção de contos, daqueles que falam das peripécias dos monges, ao levar as campesinas para suas celas às escondidas e à noite. Tão inocentes que encantam. Quase infantis... Vai ver tem alguma história de freira envolvida e que ainda não leu.
Até agora, só divagações...
Vamos então ao encontro da Tecla.

Ontem, Mariana leu 3 contos de uma jovem lésbica, muito bem escritos e ficou indecisa. Curto? Não curto? Longe de surpreendê-la, até mesmo pela delicadeza ao se expressar. Claro que com bastante erotismo, mas nada grosseiro. CURTIU!

Quase que imediatamente, in box, algumas amigas expressaram estranheza.
-Você escreve livros para crianças. Suas poesias são lindas e muito distante disto, até seus contos... e  blá,blá,blá.
-Além do mais és quase septuagenária!

Respondeu a esta:
- Infelizmente! Isso é que é palavrão! Conte as sílabas ...

Para Mariana foi o toque da libertação! Em seus almoços de quarta-feira com duas jovens amigas e o filho de uma delas, que ocorria há quase dez anos, sendo uma psicóloga, conversavam muito sobre isso.

Algumas quartas atrás, o rapaz em gozação falou:
-Sabes a Adria? Ontem foi namorar. E sabes com quem? Com uma garota!
Mariana virou-se para ela e com carinho disse-lhe:
- Fez muito bem! (risada geral).

Uma observação:
Mariana Dias sou eu. É meu pseudônimo. O mesmo quando juntas escrevemos poesias e contos que nem mereceram menção honrosa por uns concursos de outros estados e daqui mesmo.
Falei a ela que irá prefaciar meu próximo e talvez único livro de poesias, pois ninguém me conhece melhor.

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