quinta-feira, 7 de janeiro de 2016




Por Antonio Eduardo

O momento de uma estréia é único. Não apenas pela ansiedade de ver consumado todo um trabalho prévio de concepção e construção do pensamento artístico, mas particularmente na obra musical com a mediação do intérprete, figura que aparece para materializar em sons o pensamento do compositor.

E assim estava eu, dia 27 de julho, na Sala São Paulo, um ansioso espectador para assistir a criação do mestre Gilberto Mendes. A obra Alegres Trópicos: Um Baile na Mata Atlântica, veio ao mundo sob a batuta do Maestro John Neschling a frente da magistral Osesp(Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo).Obra que Gilberto gestou por 10 meses e que dura 20 minutos.

Enquanto ouvia os primeiros sons via o mestre do outro lado da sala, com os olhos fixos e de mãos dadas com a Eliane. Era um garoto olhando o mar pela primeira vez. Sentindo os sons de sua música como as ondas do mar massageando seu rosto pela primeira vez. Em êxtase, ao ver a primeira entrada do coro como que sentindo a lua refletindo nas águas da praia, também pela primeira vez.

Que jovialidade senti na peça do mestre, ainda soam em meus ouvidos o coro indo e vindo em harmonias de Debussy que resvalavam em Ravel e de repente estávamos todos dançando um fox trot, nas harmonias de Duke Ellington, todos envolvidos na diversidade harmônica e passando pelos timbres jazzísticos dos musicais norte-americanos dos anos 30 e 40, por músicos como Friedrich Hollaender, David Raksin ou nomes como Count Basie, Earl Hinnes e o pianista Teddy Wilson, a quem Gilberto considera um Mozart do Jazz.

Enfim , nestas paisagens idílicas perdidas no horizonte era como que se Netuno emergisse lentamente e olhando a praia bem de perto à sua frente e visse um grupo tocando ritmos da bossa-nova ao violão... num lual posmoderno.

Uma construção fina, um baile de timbres e ritmos que seguiam como um alucinado clip ...  definida por uma ressonância latente ,o mote de novas idéias que surgiam e sumiam...

Segundo Gilberto Mendes, “parti de uma história infantil de minha mulher Eliane. E como ando nos últimos tempos encantado com o mundo dos animais, achei interessante apresentá-los com seus nomes científicos em latim". Além disso, ele cita dois poetas de nossa querida Santos: o velho Vicente de Carvalho ("mar, belo mar selvagem") e Flávio Viegas Amoreira ("chuva no mar é desejo").

Do Flávio Amoreira, algumas palavras: um poeta que me impressiona pela torrente de idéias e imagens espocando como a espuma das vagas. A sua poesia, a um tempo vejo Borges transfigurando-se em James Joyce, interagiu harmonicamente com as imagens musicais deste doce Baile de timbres e imagens sonoras.

Como bem definiu o crítico João Marcos Coelho “A música de Gilberto Mendes, sobretudo este "baile", consegue o milagre de nos tocar física e espiritualmente sem ser descartável. Música solidamente construída. Ou seja, é música que parece, mas não é. "Shall we dance? Invitation à la danse/Invitation á la valse/Vamos dançar?", convida o coro. Impossível recusar apelo tão sedutor”
E então, "o Baile acabou"?. Assim, depois de tanta música dentro da música-literatura do mestre só espero que ela fique sempre soando em minhas lembranças, vibrando cada acorde e cada som emitido pelo coro. Que esta viagem siga no caminho das "espheras"

Concerto de estréia da obra  Alegres Trópicos: um Baile na Mata Atlântica, para orquestra e coro, de Gilberto Mendes
Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo
Regência: John Neschling
Dia 27 de julho/2007.
Sala São Paulo


Antonio Eduardo é Professor e pianista


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