sábado, 18 de junho de 2016



Por Márcia Costa (texto e fotos)

“Muito de arte entrará nestes temperos, arte e paradoxo que fraternalmente se misturarão para formar, no ambiente colorido e musical deste retiro, o cardápio perfeito para o banquete da vida”. Cem anos depois, a escrita de Oswald de Andrade, grafada na página inicial do diário, continua adequada para se entender o clima da Garçonière, festa de inspiração modernista criada pelo artista plástico e curador Luciano Corta-Ruas e pelo editor e poeta Vanderley Mendonça na cidade de São Paulo.

Vanderley Mendonça, um habitante da poesia


É no quarto andar do número 108 da rua São João, no centro de São Paulo, que acontece todo mês o grande encontro de artistas e amantes das artes, abrigado em uma das salas do Estúdio Lâmina (galeria e ateliê que reúne artistas residentes de várias partes do Brasil e estrangeiros). A poucos metros dali, entre 1917 e 1918, no terceiro andar do número 67 da Rua Líbero Badaró, sala 2, nascia o espaço que deu origem ao nome – a garçonière de Oswald de Andrade, um dos berços de criação do modernismo brasileiro.

Ali, a nata de artistas pré-modernistas reunia-se em torno da amante normalista Miss Cyclone, dos amigos e escritores boêmios. Do convívio de gente como Monteiro Lobato, Menotti del Picchia e Guilherme de Almeida, formularam-se os germes da Semana de Arte Moderna de 1922. O livro “O Perfeito Cozinheiro das Almas deste Mundo...” traz depoimentos dos frequentadores do lugar mais literário da época.


Nas paredes da festa, as  provocações da arte

No salão extenso com clima da “belle époque” paulistana, a turbulência estética dá o tom dessa Garçonière do século XXI. A sensualidade da arte se expande pelos cômodos do prédio, tomados por performances de literatura, teatro, música, enquanto as paredes do lugar são impregnadas pelas marcas das artes visuais. No salão charmoso, sofás e cadeiras acomodam a gente que se esparrama, se joga na arte e na boemia. Pé direito alto, janelas amplas à moda dos antigos edifícios parisienses do século XX e uma bela sacada que dá vista para o Vale do Anhangabaú, eis o clima que convida a um tipo especial de embriaguez. “- É a hora de vos embriagardes! Para não serdes escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos! Embriagai-vos sem cessar! Com vinho, poesia, virtude! Como quiserdes!”, repetiria, alegre, Baudelaire.

Cem anos depois da inauguração do Cabaret Voltaire, em Zurique, Luciano e Vanderley inauguraram essa Garçonière com um toque de “tempero Dadá”, como eles definem. Uma festa que atrai artistas e amadores da arte, gente que se deixa levar pelo irrequieto espírito modernista.

Picanha de Chernobill Rock e Blues, em ensaio no Estúdio Lâmina, no salão da Garçonière

A festa reflete uma vocação de Vanderley Mendonça (ele foi o criador do Clube do Hussardos) pra criar círculos culturais e juntar gente que quer fazer arte.  Já morou em três países (só em Barcelona foram 10 anos), é um dos poucos tradutores de poesia catalã do Brasil, tem carreira e pesquisa em design, é jornalista, editor dos selos Demônio Negro e Edith e ganhador do Jabuti pelo seu trabalho como editor (categoria poesia). Estudou design gráfico e pré-impressão pelo RIT (Rochester Institut of Technology, EUA) e Design Tipográfico na Hochschule fuer Grafik und Buchkunst, Leipzig (Escola Superior de Artes Gráficas e Editoriais). Traduziu, entre outros livros, Poesia Vista, antologia bilíngue do poeta catalão Joan Brossa (Ateliê, 2005), Crimes Exemplares, de Max Aub (Amauta, 2003), Nunca aos Domingos, de Francisco Hinojosa (Amauta, 2005) e Greguerías, de Ramón Gómez de La Serna (Selo Demônio Negro, 2010). É autor do livro Iluminuras, pela Editora Patuá (2013). Eis, portanto, um articulador nato que passeia tranquilamente pelo universo das letras e da poesia.

Vandereley e a arte irreverente que impregna o salão: os melhores anfitriões

Se as redes sociais digitais promovem a facilidade dos encontros à distância, ainda é num tête à tête coletivo que a arte acontece na sua maior potência, emanando da energia que fervilha do contato dos corpos, do olhar. É no círculo social, na mesa de bar, que a arte é pensada e acontece, “no olho a olho”, lembra Vanderley. Olhemos e sintamos, pois, La Garçonière. Abaixo, a programação da terceira edição, que acontece hoje à noite, nessa celebração "bacán" de arte, música e poesia.


PROGRAMAÇÃO
Das 20 h às 24 h


ABERTURA DE EXPOSIÇÃO:

'BLOC BOOK'

POESIA E LEITURAS:

• Stefanni Marion lê “Meus documentos”, de Alejandro Zambra, e “Crônicas de motel” de Sam Shepard.

• Tatiana Lima Faria e Idalia Morejón Arnaiz recebem o poeta cubano Omar Pérez, que lança Cubanologia (Malha Fina Cartonera)

• Jorge Ialanji Filholini lê "Somos mais limpos pela manhã" (Selo Demônio Negro, 2016), com participação do poeta Everton Behenck, que também fará leitura de poemas de seu novo livro "Nada mais maldito que um amor bonito".

• Nada não, Canções de Álvaro Faleiros

• d'estado, enviés, golpe: sousândrade, querida: leitura dentro dos ritos da delação premiada: ecos dos prelos do nfrn d wll strt por RIVΞЯΛO

PERFORMANCES:

Oswaldakovski, uma homenagem a Boris Schnaiderman, por Lucio Agra

Duo d' Esgrima, com Vanderley Mendonça e Rodrigo Baldin.

MÚSICA:

• Lua Rodrigues e Diruajo

• Kessidy Kess

LANÇAMENTOS:

• MAIAKÓVSKI, Fotolivro de Neide Jallageas. Edição de 30 exemplares numerados e assinados; KARTINI - Kinoruss Edições. Encadernação artesanal.
• O GUESA, de Sousândrade. Selo Demônio Negro. Edição de Vanderley Mendonca; Prefácio de Augusto de Campos.
• O LIVRO DA GARÇONIÈRE, para registro e anotações dos convidados.
• CUBANOLOGIA, de Omar Pérez. Trad. Tatiana Lima Faria e Idalia Morejón Arnaiz (Malha Fina Cartonera)

LA GARÇONIÈRE, curadoria de Luciano CortaRuas e Vanderley Mendonça

Estúdio Lâmina - Avenida São João, 108 - São Paulo, SP (Esq. Rua Líbero Badaró)
Entrada: R$ 15,00

Bar no local

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