segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Brett Walker


Por Jean Pierre Chauvin



Never, never, never, never.
Never met a girl like you before (Edwyn Collins)[1]



Sete de dezembro de 1997, por volta da zero hora. Os dois amigos estavam no antigo Matrix, rua Aspicuelta. Haviam conseguido uma mesa no pavimento superior, cercados por vinis e garrafas nas paredes.

O bar ainda estava vazio, quando a mulher de bracelete atravessou em direção ao bar. Trajava preto   e longo cabelo. Hipnotizado, José silenciou enquanto a observava passar. César também reparara na criatura, mas o movimento na casa noturna começava e, decerto, haveria outras figuras a mirar – e, eventualmente, a convidar para dançar.

José e César ocupavam a mesa havia horas. Maldiziam as respectivas esposa e namorada, no embalo de cervejas e rock’n’roll. José se levantara para ir ao banheiro e conhecer melhor a pista. Eis que, numa mesa do corredor, à esquerda de quem descia, depara com cinco pessoas que conversavam animadamente.

Lá estava ela, por algum motivo em pé (a verificar se havia mensagens no pager, a arrumar a carteira de cigarros, ou recuperar as chaves, sabe-se lá).

Talvez emputecido pela vida que levava, desejoso de ressentir algo que mexesse com suas cordas; acolher e ser acolhido, catapultado ao sublime na Pauliceia, sentiu-se tocado. Sem covardia quase nenhuma, descreveu uma reta etílica até a moça: “Dança comigo?”. Danço.

José retornou mais rápido do que desceu. Pediu conselho a César: “Lembra-se daquela menina que vimos entrar, mais cedo? Uma loira, vestida de preto, com bracelete e anéis?”. Lembro, lembro. “Então… perguntei se ela dançaria comigo”. Ahn. “Ela aceitou!”. Sério? “Você acha que devo voltar lá agora ou depois?”. José, eu se fosse você ia agora.
Foi.

A mulher de bracelete continuava na mesa. Segunda pergunta: “Pode ser agora?”. Pode! Na pista, músicas dos anos 80 (especialmente “The Killing Moon”[2], do Echo and the Bunnymen). Dança, abraço, beijo. Ele pede seu telefone; ela lhe entrega um cartão com número da empresa, no Tucuruvi, e e-mail.[3]

Trinta minutos de contato. Ela precisa, precisa ir (os amigos já a esperam). Ele promete lhe escrever (abrira uma conta de e-mail, meses atrás).

The kiling time... José estava devastado. Em que lugar do planeta ela estivera? O que fizera até aqui, que não a encontrara?

César estava por perto. Cumprimentou o amigo pela “conquista”. José não conseguia articular palavra. Walk in silence [4]

O bar prestes a fechar, César sugere que tomem um café no Frans. Seguem para lá, em relativo silêncio. Na mesa, olhar furtivo, José declara: “Não estou sabendo lidar com isso”. Calma, José. Tem sempre the day after. Calma…
Dois amigos se despedem.

Fora uma boa conversa sobre seus relacionamentos, embora persistissem em dificuldade para entender suas con(sem)sortes. Fora sublime abraçar a mulher de bracelete e anéis; ter mirado her “pale blue eyes[5] e escutado a sua voz (“era rouca”) no escuro.

José retorna de ônibus para o Jabaquara. Eram sete da manhã, quando se sentou ao piano. Então, compôs “Mar” e, duas horas depois, enviou uma mensagem ao pager da mulher. Ele passaria o dia zonzo de ardor e medo.

Segunda-feira, 9 de dezembro, sete e pouco da manhã. Da secretaria, José inaugura as missivas quilométricas para MRA, ao que ela corresponderá em mesma ou maior medida.

Voltariam a se encontrar naquele dia, às dezessete e trinta, no Aeroporto de Congonhas (“Você conhece o Aerochopp?”).

Terça-feira, 10 de dezembro. Ela lhe envia uma longa mensagem, via e-mail. (O entusiasmo seria recíproco?). Menciona um romance de nome esquisito, de um tal José Saramago. À tarde, envia vários trechos que transcreveu do livro,[6] supondo acertadamente que ele gostaria de ler/comentar.

José cogita se separar da esposa. O resto é uma história de amor, susto e percalços.

Um dia ele irá se recompor – verbo quase sempre relativo. Tomará contato com Saramago, três anos depois – e devorará toda a sua prosa em pouco tempo. José, aquele, é uma espécie de mentor particular – e também pretexto para o vínculo com as imagens que guardou, os sons que gravou, as ideias que trocou com a mulher de bracelete.

Em 9 de novembro de 2017, celebrou vinte anos desta micro-história, a comentar o Ensaio sobre a Cegueira, que dedicará à mulher de piercing, tatoo, anéis e bracelete: desvio, caminho, sentido e pilar.






[1] Do álbum Gorgeous George, 1994.
[2] Do álbum Ocean Rain, 1984.
[3] dial@that.com, salvo engano. O número de telefone começava por 6952, se a memória não falha.
[4] Single do Joy Division, 1980.
[5] “Thought of you as my mountaintop/Thought of you as my peak/Thought of you as everything/I've had, but couldn't keep” (do álbum The Velvet Underground, 1969).
[6]Ensaio sobre a Cegueira, 1995. Mais tarde, toparia com a descrição de Blimunda, aplicável a M.R.A.: “Baltasar Mateus, o Sete-Sóis, está calado, apenas olha fixamente Blimunda, e de cada vez que ela o olha a ele sente um aperto na boca do estômago, porque olhos como estes nunca se viram, claros de cinzento, ou verde, ou azul, que com a luz de fora variam ou o pensamento de dentro, e às vezes tornam-se negros nocturnos ou brancos brilhantes como lascado carvão de pedra” (Memorial do Convento, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 8a ed., p. 55).

1 comentários:

  1. Um pouco resumido demais. As referências musicais dão um tom caraterístico e a ambiência de forma mais eficaz do que o texto. Pas mal!
    Gostei

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