sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Obra de Francis Bacon


Por Flávio Viegas Amoreira

[Esboços dum desromance]



THIAGO, procuro em ti, mesmo tanto contenho. Sigo os perigos da inexatidão, porém calculo o impreciso. Coisa não é outra  pois nomear apontando olhos  dourando de objetos os nomes ? navio-poeta  cais é a mão que aponta sentir doendo enjeitado acaso encontra raiz perfeita florescendo alma disforme a fronde
simetria teimam  essas vozes estranho fado  melancolia métrica
tendo tudo terei com Tempo o nada em excesso nem saiba nem onde triste aurora rebentará sol arisco pesadelo  remonta ao todo que algo embala alva nuvem segue fardo refazer noutro dardo exasperadora centelha é o recomeço que recende
bola de fogo e pensamento  para quando o que se amoldando : nota praia antes do Oceano  o prisma profetizando / horizonte urânio celestial tudo mais do Amor da mão distando, aproxima querer  o germe laivos inconclusos cada manhã será uma manhã
outro dia verso este mesma  hora é o que transtorna de ponteiros
fantasma contrário possível intento estátuas de sal ao léu cruzeiro
pedras põem-se ao lugar no pouso Eterno não repousam mitos
estar longe é qualidade desfazer meu corpo não é fora do Mar
pela vista que conjugo  não concebo sem mim do Mar
só eu vejo sem par o promontório nonda vago / perispaço
não concebo poesia sem tato  encarno a sensação dum escaler distante tudo que não diste nenhum prazer consome
inconcluso o gosto azul que sorvo é bem mais que cheiro rumor orvalho , é gozo alfabeto orgasmo do palato se outro dia é esse aposto esvanece : poemas descabaçam : procuro  em você golfo seta mirante procuro em você quem dirijo rastro / procuro em ti farol agosto gancho / procuro em ti porão tonel fardo
procuro navego Atlântico manso pervogo voluto hefesto forjo-me dorido mastro  transtorno tempo passado remorso  lancetar todo arrependimento numa vala de luz  desfazimento segue aos passos  do que ainda quero tirando Deus do meu pedaço  esconde-te onda arresto  nada pende no Oceano turbida fronde criar mais do sal efeito  tem-se espaço  pó recolhido serenado extremo façanhas aguada aprisionas fazer dias claros vales nítidos  um mar-tu mais fundo horas restantes ao molhe  sobra / desistem da Arte queda punha um gesto na idéia içando rima: está por vir poeta que anda além das coisas  inventa dor colorindo vaga  peregrina língua pensa esgarça  profunda enseada de perplexidades ancorando
vento cozendo palavras ritmos escoam murmúrios
coisa é gênese nascituro obstáculo ao vernáculo
flutua e se deita largando vista : não é outra razão de ver musicando : poema coisa tremo de sentir seja : Coesia"

  1. "O Livro nu das coisas"

"Filamentos na datcha de verão: sou Michkin, um idiota que se presta ao desentendimento no gesto criador de novas normas : subverto auroras em fímbrias- frases que brotam de raízes desfeitas de estalidos : Google avesso concavado no vazio de conteúdos imantando mundos mal-concebidos num berço de galáxias em conchas serpenteando supraverso: casca do periespaço. Há um Google em aberto no Big Bang : criar é significante. Quando não se para de não-sentir é um vão da consciência sujeitando-se que se esquece : objeto sem apreensão, penso solto pendendo pensamento duma palavra que me aborda. Navio é recanto provisório da ilha: cessa quando lastro abalroa enchendo de sal acre do conhecimento. A geologia fóssil das hidrografias , trajetórias partículas, signos-velocidades, não sendo pois a coisa poesia espicha pedra-tema , se conta adoça, açucara: o amigo é personagem imaginário que o desvario fez esquecer a descendência : morreu alí a vontade de gozo, bendito fruto dos esqueceres , moenda : nada o medo num Oceano fúgil, um vazio angular nas reentrâncias : onde parei em Proust? expandir-se em visão puramente paraíso : Y constelado da vagina de Eva. Gostar ou não gostar isso é coisa diferente. o sinal é outro. Um ainda não é um: faz parte da conta com todos. Passar a vau Oceano vulvo. Torvilhante parecença do barro que forja revolvendo mundos fazendo sentimentos artificiais dando ruídos aos nomes palavras dadas ao que se pensa passando sem nexo nesse planeta que não sai de moda criando algo incompreensível com apelido: ´razão ´. para onde ir depois de morto o sentido ? por que lugar e não então pensamento ? não arredores, o pensamento regalava sua respiração era som o pressentido a música do vocábulo ´som´ circunvagando. Ergui poetizando matéria inexpressiva. a vida é fatalidade, sempre acontece.
Quando pousar a idéia não serei mais o quem se escreve: tenho sensações dos que não vieram , por isso não digo o arbítrio procedendo inexplicado. Ocupar-se com paredes , o céu distrai-me ainda quando não és : ´ noiesis´, ´noemas ´. Estou na época, sou fruto da estação, Thiago ! o Tempo se ilude por mim: assim sucede. não há desencanto sem ultimato: o escritor simula o que seja vida em andamento. entro em mim mesmo pelo feixe de saída
tranco-me por fora  / redentor transporte : desirme do então: fixo.
queria um livro que falasse diretamente aos olhos : prendi-me aos montes / quis achar esse livro-espelho ; há realidades que me estimulam na busca e não estão num passo, delicado agacho ao período de anunciação  recortado dum efeito plausível que chame-se ´estória´. Achar a palavra é preencher o significado de alguns dias , encontrá-la é amanhecer-se. Somos nós que nos amamos, Thiago, uma COMPANHIA INSTÁVEL DE REPERTÓRIO.  conhecemo-nos em pele até na ausência de não sentirmo-nos. Teimo em nossas MEMÓRIAS DUM AUSENTE CLANDESTINO. Já esqueci o que é fazer-me compreendido , poetizo e entendo como detonador afetivo de Hiroshimas em nosso transe: não quero, consinto com tudo que seja desaguadouro incomum de mistérios . Cada texto é um desapego que reproduz a contenção que se espalha quântica por dentro do que seria sem literatura. Não mais te lamento, só a frase pranteio na estrada carregando teu Tempo : não nos faltam dons donde buscar acariciamentos substantivos. Estive em ebulição sem rigidez dum caminho : queria-te solidário com o que perco dizendo. Quando escrevo nenhum obstáculo , coleciono tudo que está por ser dito : aceito percalço , aí digo ser algo existente e passa ser unicamente existente o nomeado , mesmo findo com pele de nome a coisa. Quando pousar a idéia, não serei mais esse ´quem´ se escreve. Não iluda o Tempo, Thiago, voe como estrela para beirar o teu cerne. Imitar-me no que escrevo diante o que vivo é compreensão daquilo que nego verdadeiro: tenciono o reexame , sendo diante do real ecologista  de palavras, há bem meio-ambiente para as palavras, ecologia dos dizeres. Estou em movimento com as coisas : eu e tu que amo, mexemos objetos refeitos em pensamentos. Quando penso a coisa maldigo não ter esquecido seu primeiro modo: detesto modo de ser, ser deve ser aquilo que movimenta e retine na ilusão que faço do olhar. Dois tipos de conversão ao real : a violência do entendimento e o luto; estou entre representação e finitude : um poema é um reencontro com fascínio que possibilita por preenchimento. Acredito ser arauto desse contrário : o que se escreve me fôra interdito da maneira visível de viver".

"Deus era uma tarefa antes da essência : desprendemos o significado da ação, o sentido da causalidade: solto é o que desdobra / acordei no apocalipse e consegui reunir textos em anexo no Eterno. Nascer, Thiago, deve ser buscar inencontrável; retendo fluída entrega; criar é coito interrompido. Se Deus está morto, Thiago, o Pai-Estado sepultado  e voltamos ao indivíduo diante de um coletivo de sensibilidades: a nossa tribo é um aguçado cume diante as platitudes: moramos como Eurípedes numa gruta rente ao Mar. Pós-Édipo tudo mais é da mais precária natureza. Estamos condenados ‘a Obra sem largar a Vida, nosso Talmude particular: Ter só uma mascar é tão pouco Thiago ! formar o estilo, suavizações na expressão, a felicidade curta do poema e do gesto teatral, sublime serenidade do interpretado quando reverberado , ir além do demonstrado seja na literatura ou no palco : escritor e ator são siameses ligados por um fio de sutileza quântica de compreendimento. Descrever é menos do que apresentado. A poesia necessária, não útil. A arte ama o acaso. O rastro é inferência: será o Cosmo um lago turvo com flores mudas?
O Mar revés do Cosmo é anteparo real ‘a tudo : razão ou arte cativas do harmonioso canto das sereias ; acolhi um léxico do olhar: tenho sugestão para tudo que não entendo, só vendo como sei penetrando com astúcia de quem tateia: lanço-me ao devaneio para dar de encontro com delírio.  A tripulação acosta a nave ao porto : percebo ser a Vida intermitente do sentido, - a Vida é um ápice entre ocaso e remanso. Entretecimento : o que tudo ´quer´ dizer o ´querer´. Só existo enquanto gramatizo: eu é um ´r´ dobrando o verbo em ´b´ com a brevidade substantiva do verso. Exasperam as pernas escrever o destino: nada mais infame que a obviedade duma rima em linha reta: precisar os trajetos é reafirmar impotência dos sentidos. O passado tem casa em mim, compreenda Thiago : nós vagamos no fluxo, adjetivamos a substância por precariedade de concretude , enquanto a memória é esse êxtase imagético entre espera e repouso . Estou dito para sempre quando reflito: não é a consciência o que distingue-nos das estrelas, é a reflexão iluminada por teimosa poesia : a consciência bem pode ser luz e luz por si não pensa , o Homem é que faz sombra em contraponto ao brilho difuso.  Ama-me aderido, engastado, amor transporte: perpetuare-mos em calcogravura, baixo relevo os sulcos num meteorito em Andrômeda. junção vai além de unidade : seremos pregnâncias : é isso! anexos, atachados  por um hacker de Deus. Prometeu como hacker dum Deus bárbaro pelas savanas siderais . Thiago ! aponta o céu, dá-me um beijo e diga junto ao que-seja testemunha : nós sabemos de ti, sentimos algo dentro do algo que seremos : nós sabemos de tudo desde que inventamos.  o beijo é socorro cúmplice . Todo trajeto em gravetos marcados de lua. Só posso criar tramas onde simpatize com os personagens"

"Pósfácio ao transe"

"A linguagem é quando rompemos sodomizados
por um Deus imagético de estrelas em sustenido
só Deus é capaz de gozar ejaculando
adjetivos reticentes
essa paixão epidérmica pela palavra
me puxa feito quem se deleita
fornicando entre as ondas dum mar bravio de violáceas escamas
resisto mesmo naufragando de mim
se somos rosto fugaz do Devir
que seja o Verbo rebento
um rosto que resta diluído pelo acaso passageiro das esferas
na água oca dos espelhos opacos
Deus penetra-me sem estrofes
réstia / fresta  trepadeira da alma em tronco
fungos entrecortados de veios de açucena
permeiam o pulmão do mundo exalando arbóreo oxigênio por alvéolos incandesdentes que estiletam o ar de setas trespassando o acaso....
duas forças competem entre minhas costelas dilaceradas de significados exangues : longe e nunca..... toda poesia de minhas entranhas nisso se contêm quedas da violação de meus sentidos eviscerados: longe e nunca...
ai emasculado do divino : escrevo orgasmo cósmico entre a rosa túmida
entre minhas ancas tortas como a órbita de Urano
criar é um ato anti-natural viver é apenas passar por apuros entre a dor lúcida entre o vazio e o nada existir é um travo semântico de nossos membros e células consumindo-se  no esforço insano de desatar o absurdo
poesia é então o elaborado sêmen infértil dum vício solitário perpetuado por signos / gestos ou insondáveis rebentos de galáxias distantes dum agora contínuo mesmo sem mais o meu e teu gosto.... é preciso mastigar o que escreve nas coisas por nós o pensamento criativo liberta : o ex-pensamento é o encontro da palavra com o mundo: Poesia não esquece a bagagem , mesmo que o destino seja o nunca ele nasce com o invólucro sedoso e nos despacha com pano sem nenhum apuro esse amontoado, esse chamado, destino......
a vida é um nada imperdivel nascer ao lado do mar , desde os mais antigos ancestrais, foi a sina  de ser vocacionado para a sondagem ...a inquietação alternando profundidade : todo disparate me soa verdade do Oceano em mim.
Eu ´´causo-me´´ espécie as vezes. Toda questão é o Tempo, toda moral deveria ser estética. Não saber quem sou foi meu primeiro estalo para sentir-me escritor, para fazer-me poeta. A vida para mim ? é fazer tudo por acreditar / tudo está por acreditar Esse esforço insano por crer / ainda assim nessa lida nunca me senti tão bem convivendo mais comigo...estava disperso até de minha sombra, essa sorrateira que também deve ser trazida e tragada ao conversar com minha luz. Três horas ... a madrugada é uma senhora deflorada parindo mil auroras...Imagino alguém pensando num hotel em Adis-Abeba ou Tókio que eu também exista... sempre há alguém para vibrar nosso tempo: esse amor longínquo diz-me com intuição voltada ao hemisfério ocidental do meu corpo e toda vontade de meu dorso , que terei um inverno afetuoso aquecido pela face doutro rostoonde a entrega só é possível depois de feito nosso acerto de contas...eu chamo o ponto P dentro de mim : meu cerne por aflorar. Quanto mais desaprendo é o recomeço do sentido . amas? é o enigma / respondes? anúncio do desacertoo desejo vem na emergência de um esvaziamento extremo. Tenta o oco de ti: encontrarás um fóssil recheado de resquícios do que não foste. O homem sem alma foi descoberto nas ruas...um poeta o identifica pela senha dos olhos de quem vê longe...de repente era uma multidão  de desalmados...enjaularam o poeta que sopra cantos como Orfeu : versos sem preocupação mais de se libertar. Você é a medida de quem ama / do que.....busco o pássaro da noite / afasto-me dos espectros que ofuscam o paraíso terreno. A elaboração do luto nasce da fala / o que se perdeu recomeça no reinvento das cinzas.



[Flávio Viegas Amoreira
Escritor, jornalista e agitador cultural

1 comentários:

  1. Senti-me deflorada, sufocada em gozo de teus versos, profundidade e conhecimento. Obrigada por tanto prazer e admiração gerados.

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