sábado, 3 de janeiro de 2009

Marcelo Ariel, do Teatrofantasma, para Joca Reiners Terron
A poesia é hoje algo que foi completamente estuprado e esquartejado pelo marketing literário? Ela é um fantasma impotente da tradição poética, sem nenhuma conexão com o "em torno"? (O fantasma de Haroldo de Campos dormindo com os mendigos na Casa das rosas, o de João Cabral tentando encontrar o caminho de volta para o Brasil em Sevilha, o de Gonçalves Dias caminhando através das árvores e atravessando o corpo dos índios assassinados no Xingu, o de Mário Faustino confundindo um smog de fumaça de maconha com uma nuvem...).

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Mano Brown, o "Lula" da poesia contemporânea do Brasil
Os poemas escritos e publicados nos últimos vinte anos não possuem luz suficiente pra iluminar o inferno da nossa miséria... (Sim, a poesia deveria ser a luz do mundo, ao contrário do Paulo Scott sou extremamente pretensioso, eu e John Ashbery). Os poemas escritos e publicados nos últimos vinte anos têm servido ao menos para converter nossa solidão em um oceano parado com metáforas congeladas afundando na nostalgia da delicadeza e profundidade perdidas ou engaioladas dentro da burocracia nadificante do varejo miserável do cotidiano?

Infelizmente não, discordo de Manoel de Barros (como Carpinejar um poeta 24 Horas), para mim, a poesia deve ter uma utilidade, ela é o cão guia dos cegos-açougueiros metafísicos e ratos fosforescentes dos Prêmios Literários, feiras de livros e demais campos de concentração da egoidade... A poesia pode ter se convertido em uma traição aos signos do real? Embora ninguém saiba o que ele é, o Real, reduzido a um jardim de signos e símbolos ainda resiste, obviamente ele é a pergunta da esfinge proustiana... Em uma luta absurda e patética contra o sentido da linguagem, que como intuímos, não nos devolverá à vida real, os poetas viciados em dar socos na linguagem, continuam gritando seus próprios nomes para os fantasmas do cânone-lápide? Sim, a maioria dos poetas de hoje nada tem a dizer de essencial ou interessante, a linguagem é apenas um campo de auto-referência e de irradiação para um tedioso jogo de "Olhem para mim, sou o novo Kerouack, o novo Rimbaud" e etc... Sei que ao citar alguns nomes, estou dando corda no mecanismo do marketing pessoal dos poetas de plantão, é fácil notar que boa parte da poesia escrita e publicada nos últimos vinte anos tem como centros: a anulação, o tédio e a mistificação, que por sua vez acabam por encobrir a autêntica emoção ou singularidade que deveria estar nos poemas.

Quantos poetas surgidos nos últimos vinte anos e com livros publicados não sofrem de uma doença chamada esquematismo? Poucos e raros têm realmente algo a dizer e o conseguem fora desse lixão do marketing literário, onde empresários e pseudo-críticos ergueram uma espécie de Shopping center do espírito que distribui cânones sem conteúdo que não se sustentarão na cruel verticalidade do tempo, desse tempo correndo cada vez mais rápido, na velocidade do semi-analfabetismo e do analfabetismo funcional patrocinados pelo personalismo político-partidário (irmão siamês do marketing literário, VER Gabriel Chalita e suas falsas Nêmesis no catálogo das editoras que monopolizam as vitrines das mega-livrarias).

Estive anteontem na maior favela de Cubatão-SP, a Vila Esperança, fui lá vender meu livro Tratado dos anjos afogados e um menino de aproximadamente 14 anos que estava ouvindo funk e segurava uma pistola semi-automática ao ver a palavra poeta escrita na contracapa do livro, me disse: - Ah, mas o maioral da poesia é o Mano Brown, tá Ligado?! Concordo com o pequeno soldado do Hipercaos, Mano Brown é o "Lula" da poesia contemporânea e isso não deve ser lido como um elogio, mas como um sintoma. Para encerrar ouso afirmar que meus poemas não estão fora desse mapa da esfinge raquítica e de suas perguntas-problema. Na verdade não existem "os meus poemas" apenas os seus...

E quando a esfinge raquítica lá na Vila Esperança perguntou meu nome, respondi: - Meu nome é Ninguém...agora me diga desde quando os mortos costumam andar por aí de arma na mão...

2 comentários:

  1. Salve Marcelo!

    Sim, a poesia deveria ser a luz do mundo... salve Ashbery e o pathos bloomniano! O q me diz desta primeira década de séc. XXI? Vejo alguma luz em poetas como Márcio-André e Flávio Viegas Amoreira, alguma manifestação de gênio, talvez. O niilismo parece-me sempre um paradoxo...

    Fábio Romeiro Gullo

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  2. Como trabalhar a assimetria sem abandonar a literatura; ou estender-se sobre a linguagem mantendo o peso dessa assimetria? Como perceber quando a assimetria cria seus ícones dentro de um utopia de poder e não da instrumentalidade da consciência e do conhecimento? E o que a poesia tem a ver com tudo isso? Tudo? ou nada?

    abraço, Ariel, por aqui saudades do poeta

    carlos pessoa rosa

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