sábado, 19 de dezembro de 2009

Márcia Costa
Fotos: Adilson Félix


A vanguarda musical dos anos 70 e 80 teve encontro marcado com a produção dos anos 2000, também em busca de novas formas de expressão. Foi no último dia 10, quando o grupo Percutindo Mundos, de São Vicente, mostrou sua música contemporânea caiçara na abertura do show da Instrumental Faria & Banda, um dos muitos em comemoração aos 30 anos do Lira Paulistana. De 03 de 13 de dezembro, a Sala Guiomar Novaes Funarte SP (Campos Elísios) e a praça Benedicto Calixto reuniram a nata da música de vanguarda de ontem e de hoje (vanguarda tem tempo?) em diversas apresentações.

A Lira Paulistana foi um momento único que contaminou a cena musical do país. No palco do teatro que deu nome ao movimento, famoso endereço do bairro paulistano de Pinheiros que agitou a cena cultural de São Paulo entre 1979 e 1986, surgiram nomes como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Premeditando o Breque, Ná Ozzetti, Tetê Espíndola, Língua de Trapo, Ultraje a Rigor e Titãs, irradiando o movimento que seria conhecido como Vanguarda Paulista. “A vanguarda deve ser sempre retomada, precisamos pegar novos caminhos. O Lira Paulistana foi o último grande movimento de vanguarda musical”, diz Márcio Barreto, do Percutindo Mundos.

Com sua proposta multimídia, o Percutindo resgata as origens caiçaras mixadas à criação de vanguarda. No seu caldo, influências da cultura indígena brasileira, portuguesa e africana misturadas à urbanidade e ao cosmopolitismo que marca a região litorânea de São Paulo, porta de entrada do mundo no Brasil. A música contemporânea caiçara traz percussão melódica, minimalista e tribal, trabalhando a harmonia dos mais diferenciados timbres. Em cena, percussão corporal e vocal, instrumentos e técnicas diferentes para os que já existem e música produzida a partir de qualquer objeto.

Ao reunir música, filosofia e literatura no show O Universo em Movimento, o Percutindo uniu-se à vanguarda da Lira Paulistana para oferecer um verdadeiro deleite para os olhos e corações antenados com a fome do novo. “Participar dessa celebração foi uma honra e fonte de inspiração para que a vanguarda seja reinventada”.

Além de Fernando Barreto (percussão), Paulo Infante (percussão e voz) e Márcio Barreto (voz, composições e percussão), a apresentação teve participação especial de Carla Fá (voz, percussão e berimbau).



Com o dijeridoo (instrumento de sopro usado tradicionalmente por aborígenes do norte da Austrália), Márcio abriu o show, anunciando a diversidade de sons que tomaria conta da noite, a maioria deles inventados ou reinventados pelo grupo.



Dali por diante, uma saraivada de sons estranhos e interessantes colaborava para encorpar a orgia musical. Em cena, o grupo utiliza vários dos seus 90 instrumentos, como rabeca calunga, violão batido, trimbau, quimbau, aerofone, tum (tambor), todos criados por ele, além de djeridoo, chuveiro de chaves, djembe, atabaque, pandeiro, castanholas, reco-reco, flauta doce e contralto, escaleta, clarinete e muitos outros.



Logo a palavra rasgava o espaço com enunciados como “Podemos esperar do óbvio o mistério” e “Penso menos e vivo mais”, frases-poemas que ecoavam no teatro e nas mentes presentes. Em uma mesma música, Márcio leva à mão (ou à boca, no caso da flauta) a contribuição de vários instrumentos. No Percutindo tem de tudo: “Quando o cara não sabe tocar um instrumento, ele inventa outra forma. É o violão batido”, explica ele, mostrando que o violão é tocado pelo grupo em forma de batidas nas cordas. A platéia reage curiosa a essa invenção, tal como à letra de Os Sapos - “musicá-los para não engoli-los”. Alguém do público ri.

Paulo Infante solta a voz. Em seguida, faz som de cuíca com a boca. Um papo de malandro, um apito, um assobio, surgem em meio à construção sonora do Percutindo. A rabeca, instrumento trazido pelos portugueses e fabricado pelo grupo, entra em cena. Em todos os momentos, a percussão faz do som tribal uma marca forte do grupo. Esta é a música do Percutindo, ou melhor, este é o movimento sonoro do grupo.

Comprovando sua concepção de músicos intuitivos, o grupo chama o público a ocupar o palco para fazer música livre. “Buscamos a música de outras formas, com a alma, o coração, a arte”, enfatiza Márcio. Cada um pega um instrumento, formando em segundos uma grande orquestra de amadores composta de um ou outro músico profissional, caso de Bruno de La Rosa. “Não somos músicos, mas um grupo de amigos que começou a se reunir. A música está dentro de cada um. Todo mundo tem que criar e se expressar. A arte dá essa possibilidade”, diz Márcio.



Comprovando a vocação multimídia do grupo, Márcio fotografa o público durante a performance. Há mais pessoas no palco do que na platéia. “É assim que tem que ser”, diz o líder de um grupo que não se intitula de músicos. Imaginem se fossem.

Um pouco mais da história do Lira Paulistana
Em 1979 nascia um teatro que se tornaria um celeiro cultural e marcaria a história de São Paulo, atendendo a uma geração ávida por uma nova forma de mostrar música, cultura e arte. O Lira Paulistana era o espaço que faltava à época para músicos independentes em início de carreira mostrarem seus trabalhos. 30 anos depois, a Funarte e a Atração Fonográfica realizaram uma sequência de shows para reviver o teatro, marco da cultura alternativa da década de 80.

A programação de shows mexeu com a nostalgia dos fãs do teatro Lira Paulistana. Batizada de Mostra Boca no Trombone - Vanguarda Paulista, a inciativa integrou o projeto Lira Paulistana - 30 Anos Depois.

Wilson Souto Junior, mais conhecido como o Gordo, foi um dos mentores do movimento que, em pleno fim da ditadura militar, reunia estudantes da USP e da PUC e artistas que buscavam um lugar para mostrar seus trabalhos. Além dos músicos, o teatro também recebia peças teatrais, filmes e debates.

O movimento cultural, denominado de Vanguarda Paulista (nome que os músicos recusavam) tomou força e, de teatro, expandiu para um jornal e também para a gravadora Lira Paulistana, que mais tarde se tornou selo independente, inaugurado por Itamar Assumpção e a banda Isca de Policia com o disco Beleléu, Leléu, Eu, em 1980. Em seguida, a Gravadora Continental firmou parceria com o selo para revelar novos talentos da música.

O Lira Paulistana fechou as portas em 1986 com um legado de mais de 17 discos e uma riquíssima história cultural como peças, exposições e shows. Passados 30 anos, o movimento revive seus dias de glória. Relembrando o concurso Boca no Trombone, que dava espaço para o surgimento de novos músicos, Arrigo Barnabé, Premeditando o Breque, Isca de Polícia – a banda de Itamar Assumpção –, Língua de Trapo, Passoca, Paranga e muitos outros convidaram novas bandas para mostrarem seus trabalhos na sala Guiomar Novaes, iniciativa que rendeu revelações como Tetê Espíndola, Grupo Rumo, Ultraje à Rigor, Ira!, Titãs, Eliete Negreiros, Ná Ozeth, todos artistas que não tocavam músicas comerciais.

30 anos depois, estes ícones da música vanguardista voltaram para dar seu recado. Premeditando o Breque, Arrigo Barnabé, Língua de Trapo, Passoca e Isca de Polícia realizam show aberto em plena praça Praça Benedito Calixto.

Acompanhe os 30 anos da Lira Paulistana aqui.


2 comentários:

  1. boa música, boa energia. grande celebração!

    e eu lá no palco, rsss, vamos caminhando, abraços.

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  2. Muito bom!! Mas, o último grande movimento brasileiro musical, político, cultural e de vanguarda aconteceu na década de 90, em Recife, o Movimento Mangue. Todo mundo sabe, né gente?

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