terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Alessandro Atanes

Um museu sobre um estacionamento. Nada poderia ser mais simbólico dos efeitos que a arte traz à sociedade do que o anúncio na semana passada da construção de um anexo da Pinacoteca de Santos na área atrás dos jardins do edifício, que dá para a rua detrás, a Avenida Epitácio Pessoa, onde hoje está um estacionamento.

Enquanto os administradores públicos não sabem o que fazer com os obsoletos automóveis, cuja frota não para de crescer, vem então a administração de um museu e anuncia substituir vagas por quadros, ainda mais quadros que serão instaladas em um prédio projetado por Paulo Mendes da Rocha, vencedor do Prêmio Pritzker de 2006 (o Nobel da arquitetura). Rocha, para lembrar, esteve à frente da reforma da Pinacoteca do Estado e da Estação da Luz e do projeto do Museu da Língua Portuguesa, todos em São Paulo, além de trabalhos espalhados pelo mundo todo.

Como escrevi acima, isso é só um símbolo: o museu deverá levar alguns anos para ficar pronto, nesse meio tempo alguém pode voltar atrás (tomara que não!), até lá muitos sobrados ainda espalhados pela cidade darão lugar a mais vagas para as centenas de carros que diariamente deixam as concessionárias sedentos por espaço. Mas o fato é que o ambiente artístico contaminou os dirigentes da pinacoteca e eles anunciaram para lá mais do que um espaço de arte, anunciaram um forte para talvez a maior batalha da civilização, aquela travada contra os carros e o avanço do espaço individual (que eles tão bem e mal representam) sobre o espaço coletivo.

Construção
O esboço que Paulo Mendes da Rocha doará à Pinacoteca servirá de subsídio para que a administração preencha um projeto em busca de aprovação da Lei Rouanet. Após essa fase, o negócio será correr atrás de patrocínio. Não sei nada de custos de um museu, mas vi que o PIB de Santos estava lá presente no anúncio: Unidade de Negócios da Petrobras, Totvs, Armênio Mendes, A Tribuna, Grupo Rodrimar, a nova diretoria do Santos Futebol Clube, Associação Comercial de Santos e mais um monte de sobrenomes ligados ao café e ao porto. Que a presença deles seja também simbólica.

Epílogo
Talvez o prefeito de Santos, João Paulo Tavares Papa, não tenha lido que em 8 de dezembro a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) efetivou Yan Pascal Tortelier como regente titular. Em seu discurso no domingo (20) antes da apresentação da Osesp na praia do Gonzaga, em Santos, ele poderia saudar Tortelier em sua primeira apresentação após ter sido efetivado e aproveitar que foi em Santos que isso ocorreu.

Talvez seja chatice minha, mas lamento que o prefeito (que também não esteve no anúncio da Pinacoteca) tenha preferido saldar o governador (“convidado de gala”, disse ele) ao maestro, real estrela da noite, ao lado do solista ao piano Arnaldo Cohen. Não é nada demais, mas creio que seja outra manifestação simbólica.

Epílogozinho
Sei que eventos como a apresentação da Osesp na praia precisam de patrocínio, mas o patrocinador de uma orquestra – no caso a Sabesp – não deveria inflar um balão durante a apresentação. Nos momentos suaves, o jato de ar quente continuadamente soprado avançava sobre a música. Será um símbolo de que o marketing deveria soar mais alto do que a arte?

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