quinta-feira, 12 de maio de 2011

Alessandro Atanes

Na década de 1950, Jorge Amado engaja sua obra na construção de uma mitologia comunista. Era um momento de legalidade democrática, no qual o Partido Comunista buscava conquistar eleitores, e não revolucionários para seus quadros.


Ele escreve Agonia da Noite, romance que se passa em Santos e seu porto. A história do livro começa logo após a instauração do Estado Novo (1937) no Brasil, durante os anos da Guerra Civil espanhola (1936-1939), reconhecida antessala da 2ª Guerra Mundial, opondo fascistas e nazistas contra os aliados comunistas e capitalistas que se odiavam entre si. Antes da guerra, porém, o livro narra os episódios de um drama épico dos estivadores e trabalhadores comunistas de Santos irmanados na revolução internacional.

Com esta intenção, o autor não descreve Santos como uma cidade de ruas, avenidas, comércio. Não precisa. A Santos de Jorge Amado não é simplesmente uma cidade, mas um campo de força comunista que se irradia a partir do porto por águas internacionais, atingindo a Europa. É a “Moscouzinha Brasileira”, como ficou conhecida nessa época devido à real importância e ascendência do comunismo sobre os trabalhadores da cidade. Mesmo após a cena em que o exército toma a cidade para acabar com uma greve, ela ainda exala o espírito vermelho:

Ocupada por soldados, conquistada, mas não apagada a flama interior que a sustentava. Assim era Santos nesses dias, aurora da liberdade empedernida, bandeira do futuro desfraldada, vermelha, cidade comunista!

Esse caráter de espaço da revolução internacional, que a cidade exerce por causa do cosmopolitismo de sua atividade de porto das trocas internacionais, fica bem claro na obra quando a ação se desloca para a Guerra Civil espanhola, mencionada acima. Lutando ao lado dos republicanos, o capitão brasileiro Apolinário Rodrigues aguarda ansiosamente notícias do Brasil sobre a greve no porto de Santos, causa da intervenção do exército, onde estivadores se negavam a embarcar café em um navio nazista destinado a abastecer as tropas falangistas, de Franco, que tinha o apoio de Hitler e Mussolini.

Após uma batalha em que a brigada da qual faz parte o brasileiro consegue reter um ataque falangista, soldados levam a Apolinário um republicano de outro destacamento, também ele um estrangeiro. Assim eles se apresentam:

- Sargento Franta Tyburec.
(...)
- Russo?
O sargento fala em espanhol com um acento pesado:
- Tcheco. Mineiro e comunista. Sargento da companhia Gottwald, da décima terceira brigada, a brigada Dimitrov...
- Capitão Apolinário Rodrigues.
- Espanhol?
- Brasileiro e comunista. Brigada Lincoln. O melhor é vir conosco. Vamos pernoitar na aldeia que está mais adiante.
Não importa a nacionalidade, o comunismo os irmana. Mais adiante, o tcheco pergunta:
- Brasil? – interrogou o sargento. – Não é do Brasil que tem um porto chamado Santos?
E, antes mesmo de ouvir a resposta de Apolinário, concluiu:
- Sim, é no Brasil mesmo, o país do café. Pois ainda de manhã li, num jornal de Barcelona, uma reportagem comprida sobre uma greve nesse porto. Uma coisa formidável...

Para Tyburec, a luta é claramente internacional (“cada palmo de terreno ganho na Espanha é uma barreira levantada na fronteira entre a Alemanha e a Tcheco-Eslováquia”), e por meio da voz do personagem, Jorge Amado constrói um espaço de influência para o campo de força de Santos, irradiado desde lá do outro lado do Atlântico:

- Eu não sei o que ainda vai suceder pelo mundo. Não sei o que vai se passar em minha pátria. Não sei mesmo como vai terminar esta guerra de Espanha. Mas, quando li a reportagem sobre a greve no Brasil, senti que, aconteça o que acontecer, nós vamos ganhar, no fim... Quando todos os trabalhadores compreenderem... Nós somos os mais fortes.

Lógico que Tyburec reencontra o jornal quando volta para a sua brigada. Apolinário acaba por receber a reportagem e a lê em voz alta para seus companheiros.  A cena acaba com o sargento tcheco fazendo um brinde à saúde dos operários brasileiros e “à memória dos que tombaram nessa greve”. Assim, Jorge Amado cria um eixo comunista que vai de Santos a Praga, passando pela Espanha. É um eixo que da ficção se repete na realidade da própria circulação do livro, traduzido para o espanhol, russo, chinês, tcheco, alemão, romeno, búlgaro e polonês, levando para todas estas línguas parte do imaginário e da identidade de nossa cidade.

Referências:
Jorge Amado. Agonia da Noite. São Paulo: Martins, 1968 (1ª EDIÇÃO 1954).

Rodrigo Rodrigues Tavares. A "Moscouzinha Brasileira": Cenários e Personagens do Cotidiano Operário de Santos (1934-1954). São Paulo: Humanitas e Fapesp, 2007.

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