sexta-feira, 14 de setembro de 2012


Ademir Demarchi

“Há verdades que não podem ser reveladas, mas descobertas”.

Essa afirmação está no filme Incêndios, do canadense Denis Villeneuve, expressa numa das cartas que uma mulher libanesa escreve para os filhos. Vítima de guerras e dos inúmeros conflitos tribais e religiosos que acometem o mundo árabe, particularmente no Líbano, sua vida é contada como uma tragédia grega, com mistérios que vão se desvendando com uma tensão que não cede. É significativo que, diante dos absurdos que lhe aconteceram, nos últimos anos de vida ela se cale e não pronuncie mais uma única palavra, silenciando sua voz definitivamente com a morte, porém deixando cartas para seus filhos com suas últimas vontades.

Uma vez morta, seu advogado e amigo convoca o casal de filhos gêmeos para abrir a primeira carta com instruções impactantes. Primeiro ela explicita sua vontade de que seja enterrada de bruços, nua, que os filhos e o amigo joguem sobre ela um balde de água cada um e depois não coloquem lápide sobre seu túmulo e nenhuma identificação. Mas menciona a exceção que moverá essa história: cada um dos filhos receberá uma carta com instruções quanto ao que fazer e, uma fez que tenham feito o que ela pede, só então poderão colocar uma lápide em seu túmulo e escrever nela seu nome.

Primeiro eles descobrem que têm um pai vivo, antes tido como morto e herói de guerra por ter matado um ditador. Depois descobrem que têm também um irmão. Sua missão será ir atrás de ambos, ela do pai e ele do irmão, para entregarem a eles cartas escritas pela mãe. Os jovens são, assim, arrancados da rotina de suas vidas para um acerto de contas que confirma aquela frase inicial, de que há verdades que só serão desvendadas se forem descobertas, indo-se em busca delas.

A partir disso o espectador é colocado em pleno cenário de conflito no Líbano, mostrado através da vida crua e dura das pessoas e suas relações familiares que determinam como devem agir. Aos poucos vai se desvendando a vida dessa mulher que emudeceu. Ela passa de uma jovenzinha apaixonada a mãe, depois vítima das regras familiares, que proíbe sua relação e a posse do filho. Em seguida, fugindo em busca do filho, passa a ser vítima da guerra que aniquila todas as regras e o sentido de viver. Indignada, ela se transforma numa espécie de guerrilheira e executa um ditador, indo parar numa prisão onde passará a ser conhecida como “a mulher que canta”. Depois de tanto cantar, significativamente silencia...

O filme concorreu ao Oscar de filme estrangeiro no ano passado e foi adaptado de um texto teatral escrito pelo libanês radicado no Canadá Wadji Mouawad. A montagem do texto esteve no Brasil esta semana, através do grupo teatral mexicano Compañía Tapioca Inn, que se apresentou no Mirada, o Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos, realizado pelo Sesc São Paulo.

A escrita de Mouawad toca em vários temas, indo da condição existencial à guerra, passando pela intolerância religiosa, pela banalização da violência que se dá tanto em fuzilamentos como em estupros e genocídios, compondo um cenário de tensão em que as vidas humanas se transformam em joguetes de forças descontroladas.

O texto teatral é muito mais dramático que o filme, emociona as pessoas, sendo esse um problema melhor resolvido no filme. Isso porque a emoção é muito potencializada, tanto que depois se alivia numa catarse de choro, perdendo o sentido reflexivo de por que tudo isso acontece. Por isso o filme, sob esse aspecto, resolve melhor a questão ao manter a tensão e a indignação com a barbárie instalada na Palestina. Com isso, demonstra claramente que a miséria econômica, cultural, política, religiosa e tudo o mais não se resolverá tão cedo no Oriente Médio, o que é uma tragédia contemporânea que nos afeta mesmo indiretamente, uma vez que a catástrofe das Torres Gêmeas de Nova Iorque, relembrada esta semana, ainda ecoa.

Nota da edição: No link abaixo, trailer do filme:

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