sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Adelto Gonçalves


doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo,
autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo, Barcelona Brasileira e Bocage – o Perfil Perdido 


I
Enquanto as universidades e editoras portuguesas e brasileiras, praticamente, só estudam e publicam autores africanos lusodescendentes – com as exceções de praxe, na área editorial, como a Editorial Caminho, de Lisboa, que tem tradição na área –, pouco se lê sobre romancistas, contistas e poetas africanos autóctones ou mestiços que utilizam a Língua Portuguesa como meio de expressão. E, no entanto, em poucos anos, se a Língua Portuguesa – a língua do invasor e do colonizador – quiser sobreviver no continente africano – e com ela todo o legado lusófono –, será mesmo dos autores autóctones que dependerá.

Esse incompreensível silêncio – que reflete, pelo lado português, segundo o professor Patrick Chabal, do King´s College de Londres, certa saudade colonialista ainda não superada e, pelo lado brasileiro, descomunal desconhecimento em relação a assuntos africanos – é o que explica que um livro como Emerging Perspectives on Ungulani Ba Ka Khosa: prophet, trickster, and provacateur, preparado pelo professor Niyi Afolabi, ainda não tenha sido editado no Brasil nem em Portugal. E que, para lê-lo, tenhamos de recorrer à edição da Africa World Press, Inc., com sede em Trenton, New Jersey, EUA, e em Asmara, na Eritreia, país do Nordeste da África, antiga colônia italiana, às margens do Mar Vermelho, que se separou da Etiópia em 1991.

Pouco conhecido do público-leitor brasileiro, Khosa (1957) não teve até hoje obra publicada no Brasil, mas esteve em São Paulo em novembro de 2010 para participar de um encontro na Casa das Áfricas e de um debate na Biblioteca de São Paulo sobre “O negro na literatura internacional”, que teve a mediação de Carmen Lucia Tindó Secco, doutora em Literatura Brasileira e professora de Literaturas Africanas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Trata-se de um dos mais importantes autores moçambicanos de sua geração, ganhador do Prêmio José Craveirinha de 2007 por seu livro Os Sobreviventes da Noite. Outro galardão que atesta a qualidade de sua obra é o Grande Prêmio de Literatura Moçambicana de 1990 por Ualalapi, que foi assinalado como um dos cem melhores livros africanos do século XX. No Brasil, Khosa já havia estado em 1987 para participar do lançamento da antologia Sonha Mamana Africa, preparada pela professora e jornalista Cremilda Medina de Araújo, da Universidade de São Paulo (USP).

Nascido em Inhaminga, província de Sofala, Ungulani Ba Ka Khosa é o nome tsonga – grupo étnico do Sul de Moçambique – de Francisco Esaú Cossa, bacharel em História e Geografia pela Faculdade de Educação da Universidade Eduardo Mondlane, de Maputo, professor de carreira e atual diretor do Instituto Nacional do Livro e do Disco, de Moçambique. Khosa também exerceu a função de diretor-adjunto do Instituto Nacional de Cinema e Audiovisual de Moçambique, participando na elaboração de roteiros e jornais cinematográficos. Filho de pais enfermeiros, Khosa completou os estudos secundários na Zambézia e tornou-se professor em 1978.

É autor de seis livros, Ualalapi (1987), Orgia dos Loucos (1990), Histórias de Amor e Espanto (1993), No Reino dos Abutres (2001), Os Sobreviventes da Noite (2005) e Choriro (2009). Co-fundador da revista literária Charrua, na década de 90, tem escrito crônicas e artigos para vários jornais africanos. Membro da Associação dos Escritores Moçambicanos, recebeu ainda o prêmio Gazeta de Ficção Narrativa (1988), além de ter sido homenageado em 2003 pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).    

II
Essa vasta obra justifica o livro que Niyi Afolabi, doutor em Estudos Africanos e Portugueses pela Universidade de Wisconsin-Madison e professor de Literaturas Brasileira, Ioruba e de Estudos da Diáspora Africana da Universidade do Texas, de Austin, EUA, preparou, reunindo quinze ensaios escritos por estudiosos de várias partes do mundo, além de entrevistas e excertos de textos do autor. Na maioria, os textos estão em inglês – inclusive, excertos dos livros –, mas há seis ensaios em português.

Entre esses, destacam-se “Transculturação e representatividade lingüística em Ungulani Ba Ka Khosa: um comparatismo da solidariedade”, de Nataniel Ngomane, professor do Departamento de Lingüística e Literatura da Universidade Eduardo Mondlane, de Maputo, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), e “O outro na representação da identidade nacional nas obras de Mia Couto, Suleiman Cassamo e Ungulani Ba Ka Khosa”, de Christoph Oesters, doutor pela Universidade de Utrecht, Holanda, com a tese “Figuras do Outro: identidades pós-coloniais no romance moçambicano contemporâneo” (2005).

Os demais ensaios são de Ana Mafalda Leite, professora de Literatura Africana Lusófona da Universidade de Lisboa, António Belchior Vaz Martins, autor de Teoria e Práticas de Análise da Narrativa: as mitologias apocalípticas e Ualalapi de Ungulani Ba Ka Khosa (2004), Daniela Neves Lima, professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de Belo Horizonte, e Ebenezer Adedeji Omoteso, coordenador de Estudos Portugueses no Departamento de Línguas Estrangeiras da Universidade Obafemi Awolowo, da Nigéria.

Além da introdução “Quem tem medo de Ungulani Ba Ka Khosa?”, de Niyi Afolabi, igualmente traduzida para o português, há estudos de Jared Banks, doutor em Línguas e Literaturas Africanas pela Universidade de Wisconsin-Madison, Gilberto Matusse, professor do Departamento de Lingüística e Literatura da Universidade Eduardo Mondlane, de Maputo, Anne Sletsjoe, professora de Literatura Portuguesa da Universidade de Oslo, Noruega, Sophia Beal, doutoranda em Estudos Portugueses e Brasileiros pela Universidade Brown, EUA, Sunday Bamisile, doutorando em Literatura Comparada pela Universidade de Lisboa, e do próprio organizador do volume.

III
Como se vê por aqui, Khosa é um autor já largamente estudado por críticos de outras línguas. E que há muito já deveria ter sido editado no Brasil. Aliás, desde o seu primeiro livro, Ualalapi, romance histórico e primeira obra de ficção que se dedica exclusivamente ao passado colonial de Moçambique e conta a ascensão de Ngungunhane, imperador de Gaza, famoso pela resistência que opôs aos portugueses ao final do século XIX, até o fim de seu império.

Como observa Oesters, o livro é construído a partir de fragmentos históricos, comentários de oficiais portugueses envolvidos na campanha contra o líder africano. São seis contos que acabam por reconstituir na imaginação episódios daquele período, formando um romance. O importante, porém, é que, ao contrário do que comumente se pode imaginar, o livro não apresenta Ngungunhane como um “grande líder” nem se preocupa em relatar seus possíveis feitos históricos contra a violência do domínio colonial, como foi feito no período pós-independência (1975). “Em vez disso, dedica-se muito mais a uma representação de Ngungunhane que corresponde à realidade histórica, mostrando a imagem de um tirano cruel em relação a outros povos africanos, mas também para com seu próprio povo”, diz Oesters.

Oesters observa que o “Outro” na obra de Khosa aparece na forma dos “brancos, do outro lado do mar”, mas em breves referências. Numa delas, refere-se à morte de Ngungunhane no exílio “em roupas que sempre rejeitara e no meio da gente da cor do cabrito esfolado que muito se espantara por ver um preto”.

IV
Já Nataniel Ngomane, em seu ensaio, faz um paralelo entre a obra de Khosa e a dos autores latino-americanos do boom, a partir da constatação de que as culturas de ambos os lados são historicamente mestiças, “como produto do contato entre elementos indígenas – em si já bastante diversificados –, africanos e aluviões imigratórios europeus e asiáticos, na América Latina, e de elementos indígenas – não menos diversificados que aqueles –, árabes, asiáticos e europeus em Moçambique”.

Ngomane ressalta que essa situação vem sendo explorada por narrativas como as de Khosa e de Mia Couto que, “no intuito de representar a conjugação dos imaginários e atitudes aí presentes, acabam por configurar processos culturais diversos”. Para tanto, vale-se da já clássica obra Contrapunteo cubano del tabaco y el azúcar (Havana: Letras Cubanas, 1991), de Fernando Ortiz (1881-1969), publicada pela primeira vez em 1940, tão estudada no Departamento de Letras Modernas da USP, mas que, incompreensivelmente, ainda está à espera de publicação por editora brasileira.

Ngomane ressalta que, além de utilizar termos de origem bantu, “desconhecidos da maioria dos leitores em português, Khosa incorpora em sua linguagem a descrição de universos culturais a que esses termos se vinculam”. Ou seja, Khosa salpica seu texto com expressões verbais de origem bantu, mas o faz de uma maneira mais palatável ao leitor, explicando os termos no próprio texto, sem recorrer a um glossário no final do livro ou a notas de rodapé.

V                  
Obviamente, ninguém é contra que professores de outros mundos não lusófonos se preocupem em estudar as literaturas africanas de expressão portuguesa. Pelo contrário. O que se lamenta é que tanto em Portugal como no Brasil se dê tão pouco espaço aos escritores africanos autóctones que se utilizam da língua portuguesa. Até porque, como observa Perpétua Gonçalves em Português de Moçambique: uma variedade em formação (Maputo: Livraria Universitária e Faculdade de Letras da UEM, 1996), citada por Nataniel Ngomane, só uma minoria em Moçambique que teve acesso à escola (25%) e que habita nos centros urbanos (17%) fala português.

Como o país é formado por muitas nações e 95% da população têm como língua materna uma língua bantu, por enquanto, o Português serve como uma espécie de tertius (neutro) para a língua oficial, já que, se um grupo étnico local quiser impor a sua língua como a predominante, com certeza, irá causar insatisfação entre os demais. Mas, se Portugal e Brasil continuarem de costas viradas para a África, não será difícil que Camões (c.1524-1580) seja substituído por Shakespeare (1564-1616) em pouco tempo. Até porque a África do Sul é logo ali. Depois, não digam que ninguém avisou.

Referência:
EMERGING PERSPECTIVES ON UNGULANI BA KA KHOSA: PROPHET, TRICKSTER, AND PROVACATEUR, de Niyi Afolabi (editor).Trenton, New Jersey/Asmara, Eritrea, Africa World Press, Inc.,458 págs. , 2011. E-mail: customerservice@africaworldpressbooks.com. <www.africaworldpressbooks.com>

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(*) Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br

1 comentários:

  1. O PROTESTO 1955 / 2O15. 60 ANOS do Poeta CARLOS DE ASSUMPÇÃO o mestre que completa 88 anos de muitos parabéns num sábado de muita luz 23 de maio glorioso que realça valoriza nossa luta a historia sempre viva do poeta guerreiro Cassump de Ébano como disse o herói poeta angolano Agostinho Neto.
    CARLOS DE ASSUMPÇÃO seu nome esta realçado entre os maiores poetas do mundo e assim no Brasil nas principais obras da cultura afro brasileiro"A Mão Afro-Brasileira" Emanoel Araújo. “Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana” Nei Lopes. “Enciclopédia Quem é quem na negritude brasileira” Eduardo de Oliveira.Enciclopédia“África Mãe dos Gênios Negros Afros Brasileiros” Jorge J. Oliveira entre outras obras. Os Dizeres dos grandes mestres sobre Carlos Assumpção diz Abdias do Nascimento é o meu poeta, Solano Trindade Protesto é minha alma, Geraldo Filme me arrepia, Clovis Moura a lira de nossas revoltas, Barbosa sinto cada letra, Prof. Eduardo Oliveira minha inspiração, Luís Carlos da Vilaa alma da Kizomba,Tião Carreiro uma alegria triste, Milton Santos Diz tudo, Grande Otelo é o Poema Hino Nacional da luta da Consciência e Resistencia Negra Afro-brasileira.
    CARLOS DE ASSUMPÇÃO – O maior poeta da militância negra da historia do Brasil autor do poema o PROTESTO Hino Nacional da luta da Consciência eResistencia Negra Afro-brasileira. O poetaAssumpção é o maior ícone das lideranças e dos movimentos negrose afros brasileiras e uma das maiores referencias do mundo dos ativistas e humanistasem celebração completa 88 anos de vida. CARLOS DE ASSUMPÇÃO nasceu 23 de maio de 1927 em Tiete - SP. Por graças e as benções de Olorum 88 anos de vida com sua família, amigos e nós da ORGANIZAÇÃO NEGRA NACIONAL QUILOMBO O. N. N. Q. FUNDADO 20/11/1970 (E diversas entidades e admiradores parabenizam o aniversario de 88 anos do mestre poeta negro Carlos Assumpção) temos a honra orgulho e satisfação de ligar para a histórica pessoa desejando felicidades, saúde e agradecer a Carlos de Assunpção pela sua obra gigante, em especial o poema escrito em 1955 o Protesto que para muitos é o maior e o mais significante poema dos afros brasileiros o Hino Nacional dos negros. “O Protesto” é o poema mais emblemático dos Afros Brasileiros e uns das América Negra, a escravidão em sua dor e as cicatrizes contemporâneas da inconsciência pragmática da alta sociedade permanente perversa no Poema “O Protesto” foi lançado 1958, na alegria do Brasil campeão de futebol, mas havia impropriedades e povo brasileiro era mal condicionado e hoje na Copa Mundial de Futebol no Brasil 2014 o poema “O Protesto” de Carlos de Assunpção está mais vivo com o povo na revolução para (Queda da Bas. Brasil.tilha) as manifestações reivindicatórias por justiça social econômica do povo brasileiro que desperta na reflexão do vivo protesto.
    O mestre Milton Santos dizia os versos do Protesto e o discurso de Martin Luther King, Jr. em Washington, D.C., a capital dos Estados Unidos da América, em 28 de Agosto de 1963, após a Marcha para Washington. «I have a Dream» (Eu tenho um sonho) foram os dois maiores clamores pela liberdade, direitos, paz e justiça dos afros americanos. São centenas de jornalistas, críticos e intelectuais do Brasil e de todo mundo que elogia a (O Protesto) (Manifestação que é negra essência poderosa na transformação dos ideais do povo) obra enaltece com eloquência o divisor de águas inquestionável do racismo e cordialidade vigente do Brasil Mas a ditadura e o monopólio da mídia e manipulação das elites que dominam o Brasil censuram o poema Protesto de Carlos de Assunpção que é nosso protesto histórico e renasce e manifesta e congregam os negros e todos os oprimidos, injustiçados desta nação que faz a Copa do Mundo gastando bilhões para uma ilusão de um mês que poderá ser triste ou alegre para o povo brasileiro este mesmo que às vezes não tem ou economiza centavos para as necessidades básicas e até para sua sobrevivência e dos seus. No Brasil
    .
    Organização Negra Nacional Quilombo ONNQ 20/11/1970 –
    quilombonnq@bol.com.br

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