Dilema Santista, cartaz do coletivoACTION |
Criado em Santos por dois jovens, Rui Costa e Raphael Morone, o coletivoACTION produz e promove a cultura local como meio de resgate dos hábitos regionais, incluindo novos elementos na busca da formação da identidade cultural santista em tempos modernos. Mesclando música e design, tenta criar uma linguagem própria, despretensiosa, a partir de sons de matiz africana e de um design influenciado pelo construtivismo russo.
Há 10 anos atuando como produtores culturais santistas, a dupla participa da exposição do Varal do Design, que começa hoje na Internet Livre do Sesc Santos, com o cartaz Dilema Santista, selecionado para o evento. Também mediarão no próximo dia 25 o bate-papo "Busca da identidade santista em tempos modernos" (acompanhe a programação aqui).
Nesta entrevista, Raphael Morone fala do seu trabalho como designer gráfico no coletivo.
Conte um pouco da sua história com o design (desde quando atua, onde atua, publicações em que está presente, quais as técnicas que utiliza, premiações que ganhou etc).
Comecei a atuar no final de 2008, como freelancer, que é o que faço até hoje. Nesta trajetória, trabalhei principalmente com a área cultural/social, que é o que me dá mais tesão. Gosto de pensar que meu trabalho terá um uso bacana, não apenas visando o lucro. Parece papo de recém-formado, mas falo isso de coração.
Além da carreira de
freela, faço parte do coletivoACTION, projeto onde, além da produção de design
com tempero santista, publicamos autores literários locais e escrevemos sobre
música negra e design. Quando dá, fazemos algumas mixtapes, discotecagens e
palestras pelos rincões da Baixada.
Quanto às técnicas que utilizo, nada muito fora do tradicional utilizado atualmente: papel e lápis, programas como o Illustrator e uma tablet emprestada, que dá uma baita ajuda em momentos que o mouse não dá pé. Sou um entusiasta da serigrafia também. Inclusive preciso de uma força pra imprimir um punhado de cartazes, mas sozinho não rola, até por não possuir todo o equipamento. Se alguma boa alma se animar em dar aquela força, manda um salve.
E já ia me esquecendo, minhas maiores premiações! Até hoje foram uma medalha de ouro em um interclasses de futebol nos anos 90-invictos- e um campeonato de Mario Tennis há uns dez anos atrás. Nos de Pokémon eu era amarelão e nunca cheguei sequer a uma semi-final. Triste.
A Action surgiu de um trabalho da faculdade, onde tínhamos que fazer um fanzine. Como fã da música negra, convenci o grupo a projetar algo misturando isso com design. Um tempo depois, meio de saco cheio com o panorama cultural da cidade, pensei em criar cartazes na tentativa de demonstrar o amor por Santos, mas ao mesmo tempo fazer algum tipo de crítica às idiossincrasias daqui. Na época contei a história do zine e dos cartazes pro Rui e ele sugeriu a ideia de um blog, amarrando tudo. Convidei ele pra capitanear a coisa junto comigo e tamos aí.
O trabalho do coletivo é baseado no construtivismo russo e o minimalismo. Por que estes movimentos artísticos interessam a um jovem da sua geração?
Eu sempre fui péssimo desenhista, mas adorava a coisa. Lembro até que, quando moleque, fazia aula e fui convidado a me retirar do curso pelo diretor por não ter muita coordenação motora (risos). Chegaram até a me colocar em uma turma com gente bem mais nova que eu, onde ficava pintando casca de ovo e coisas desse naipe. Mesmo com o estímulo recebido lá, nunca me distanciei do desenho e, anos depois, acabei por me formar em design. Quando comecei a faculdade notei a dificuldade de expressar minhas idéias de uma forma legal, mas por obra do destino, acabei topando com esse movimento soviético. Amor à primeira vista. Percebi que dava pra produzir coisa boa a partir da simplicidade, e, a partir disso, me inspirei cada vez mais, buscando a mesma simplicidade que eles utilizavam, mas dentro da minha realidade, da minha bagagem. A história não é muito bonita, eu sei.
O coletivo tem identidade visual baseada no construtivismo russo e no minimalismo, trabalha com web brasileira e cultura santista. Como esses referencias se misturam no seu trabalho? Elas dialogam?
O coletivo é praticamente um filho pra mim, está atrelado à minha história como profissional, já que surgiu na mesma época em que me formei. O conflito de influências é inevitável. Muito do que produzo fora da Action acaba muito se parecendo com o que eu faço no projeto, então rola muito esse diálogo. Já ouvi gente me aconselhando a separar isso, mas na altura que a coisa está, não dá mais. Ferrou. Ou não.
Quando um trabalho de design ou uma ilustração pode se configurar como arte?
No meu ponto de vista, não creio que dê pra atrelar uma coisa a outra. O design tem como intuito a resolução de problemas, a arte é questionadora. Mas é um assunto difícil, e consequentemente, chatíssimo de se discutir. Só ver que, sem arte, o design não existiria e a arte se apropriou de muita coisa do design para florescer.
Nessa era do visual, tem havido maior interesse pela ilustração ou design. Como criar algo que acrescente num universo onde há tanta saturação da imagem?
Eu, até um tempo atrás, era da opinião que, se tu não fosse extremamente talentoso e/ou tivesse muitos contatos, estava com os dias contados na profissão. Mas uma pessoa querida disse algo que tenho levado comigo e sempre vem na cabeça nos inevitáveis momentos de descrença: "sempre terá alguém que vai precisar de algo exatamente como você faz". Ou seja, o caminho é o Autoral, aquilo que é resultado da sua história de vida, seus gostos, seu dia dia, enfim, o que te faz ser o que é.
De que forma a linguagem do design pode contribuir para o jornalismo?
O design, quase sempre, busca a simplicidade. Muitas vezes, o jornalismo fica maçante aí e se faz necessária alguma ferramenta que auxilie o conteúdo a se tornar mais agradável e de melhor interpretação a quem se destina. Na Internet e no jornal impresso, essa tabelinha é mais fácil de se ser visualizada e compreendida.
Qual é a diferença entre criar uma imagem (ilustração ou peça de design) no século passado e hoje, pensando agora numa sociedade cada vez mais complexa, onde o leitor é produtor, capaz de interagir por meio de suportes como a internet etc?
No passado distante também havia dificuldade, a sociedade era outra. Fala-se muito que nossa geração não lê. De fato, não lê o quanto deveria, mas é bem mais ligada no que rola que no século passado, por razões óbvias de tecnologia. Naquele tempo o conhecimento era muito limitado ao que acontecia por perto, o acesso à informação era difícil. Isso atrapalhava no pensar. Quanta gente não se deu mal por estar muito à frente do seu tempo? Muitos artistas acabaram indo pro limbo. Veja os designers soviéticos, por exemplo. Se lançar naquele mercado também era complicado, pois não havia bons mecanismos de promoção. E não só no design, isso era em tudo. Hoje em dia, apesar de todo esse barulho de internet, rede social, smartphone e o escambau, há espaço para se mostrar e interagir com pessoas que produzem como você e que vão se interessar pelo que tu faz. É bom o leitor ser produtor também, o torna parte da coisa, abolindo essa ideia de gueto que só alguns podem e outros não.
Como é trabalhar com design em Santos?
O mercado é muito pequeno, mesmo regionalmente falando. Mas há, cada vez mais, agências e profissionais da área por aqui. O forte é o webdesign, até pelos limites geográficos que a internet não tem. Daí os profissionais da região acabarem produzindo mais pra fora. Falta, assim como em boa parte do país, o conhecimento da importância de ter um profissional deste tipo, mas isto é uma questão bem mais complexa.
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