quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Foto: Adriano Franco

por Keila Bis


"Fábulas portáteis", do escritor paraibano André Ricardo Aguiar, é um livro de contos, publicação da editora Patuá. Contos filosóficos, surrealistas, de humor, sem humor, de drama, sem drama, com dor e sem dor. Realistas e profundamente imaginativos. Mas não que sejam assim do começo ao fim.

Na maioria deles, o autor consegue embolar toda essa diversidade, fisgando o leitor de “a” a “z”. Com isso, vem riso, estado de suspense, estranhamento e mais alguma coisa sentida em um único parágrafo. “Quero experimentar uma gama variada de emoções e faço o que quero com o conto para ter o leitor junto”, explica.

Para além de imprimir essa característica na sua escrita, os muitos gêneros, dá a impressão também de que faz como faz para deixar a vida ser como ela é – uma sucessão de fatos. Ou para negá-la escancaradamente, fazendo dela o que bem quer. “A imaginação é valiosa para ler o mundo”, diz ele.

Conforme vai se lendo os 38 contos - ou os 38 mundos? - somos conduzidos para um ponto dentro da gente não censurado. A partir dele, a leitura flui aberta para receber o inimaginável. Repare:

“... Eu inventava doenças imaginárias. Uma vez peguei febre pelo cabelo, ...”; “... Pensava em sofás que sofriam de asma, almas do outro mundo dentro da cisterna, punhos de redes que esmurravam paredes. Penso que adoeci de vida, quando nasci” - trechos de Composição Infantil.

“... saltou um pino, o seio esquerdo foi se esvaziando, o ar saindo com um levíssimo assovio. Quando pôs o dedo para conter o ar já se sentia mais flácida, cheia de dobras. Igual a um lençol amanhecido. Não podia encher a si própria. Por uma lei perversamente lógica, o ar que a inflaria tinha que ser o alheio. Não era o sopro divino que lhe daria a vida, mas o humano” - trechos de Um Sopro de Vida.

- conto Ovo: “Compartimento perfeito onde se exercita o mistério e cujo manuseio termodinâmico por um período entre um suspiro e a eternidade pode resultar na quebra do invólucro e de sua própria definição, não invalidando, sob quaisquer aspectos, sua origem assustada, a galinha”.

- “... ,cada vez mais ciente de que estava de fato sendo traído e que se sentia um incompreendido por ter construído o labirinto como prova de renovação da rotina, pois que já não sabia o porquê de tornar o lar uma ciranda de chances de caminhar a um entendimento. Na fúria que já lhe acometia, errou por um corredor e ficou dando voltas, embaralhando as vozes que pareciam próximas ou distantes, ...sentiu um filete de sangue a descer-lhe a têmpora. Passou a mão e descobriu, horrorizado, a formação de pequenos cornos um pouco acima das sobrancelhas” - trechos de Labirinto.

Essa é a primeira imersão do autor pelos contos, suas outras obras, poesia, são: A flor em construção (1993, editora Idéia), Alvenaria (1997, editora Universitária/UFPB, que ganhou o prêmio Novos Autores Paraibanos) e A idade das chuvas (2013, editora Patuá). E os infantis: O rato que roeu o rei (2007, editora Rocco – inserido no Programa Nacional de Biblioteca na Escola no mesmo ano), Pequenas reinações (2013, editora Escrituras) e Chá de sumiço e outros poemas assombrados (2013, editora Autêntica – também no PNBE do mesmo ano de lançamento). “Fábulas portáteis exige um leitor mais preparado. De juvenil para cima, pode ser lido”, avisa.

Poeta, ficcionista e agora contista, André Ricardo Aguiar lançou Fábulas Portáteis no final de novembro passado em São Paulo, e, em seguida em João Pessoa, onde mora. 

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