quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Fotografia produzida por Manoel Herzog (com tratamento de Márcia Costa)



Por Manoel Herzog


Ao sair na expedição pra São Tomé das Letras com as crianças achei de contar a história de José Expedito, lenda que vem do século XIX. O capiau José Expedito vivia com sua mãe e, atingindo a idade adulta, apaixonou com Rosinha. A mãe era contra, achava Rosinha vagabunda, mas ele, contrariando a sabedoria materna, marcou o casamento. No dia Rosinha faltou. Fugiu com outro e deixou Expedito na porta da igreja, esperando. Quando ele voltou pra casa a mãe ria nos deboche.

Num te falei, besta?

O corno do Expedito então, de raiva, matou a velhinha cuma surra de facão. Ela morreu, mas maldiçoou o filho. Por isso, sempre que alguém passa naquelas brenha perdisantomé parece aquele cachorro preto e fica seguindo. Tem que dizer:

Vai com Deus, Expedito,

E rezar três avemaria. Contei a história em Sanz pra botar medo nos menino. Em São Tomé hospedamo de frente co cemitério, pousada do Tião, onde sempre hospedo. Meia noite em ponto o sinda igreja toca. Toda vez que saíamos pra rua surgia um cachorro preto e ficava seguino. Verdade.

*

Foi no enterro de Seu Paulo que garrei amizade com Rosinha. Ele morreu tropelado, foi uma comoção. Naquele tempo velório fazia em casa. Como a parentela vinha de umas Geraes profundas, velório durou dois dias. Mas valeu - do meio pro fim chegou Rosinha cos pais. Tímida toda, enrubescia só de falar com rapaz, olhava pro chão. Sorriso que deu pra mim foi lindo, reparei uma pontinha enquanto ela escondia o rosto.

Duro foi convencer de montar na cebezona quatrocentas. Motona da porra. Depois do enterro saí de rolê com ela, dei três voltas na cidade e parei detrás do próprio cemitério, que os parente já tinha vazado e Seu Paulo enfim descansava. Rapaz, mulher difícil da porra. Nem um beijinho não deu, embora eu lhe adivinhasse as vontade. Só beijava namorando e, segundo asseverou, só dava casando. Era assim nos tempos em que os velórios eram feitos em casa, virgindade se prezava.

De minha parte prefiro cremar os defunto e amor livre, mas respeitei. Longe de mim desgraçar uma moça. Passou dois ano, Rosinha casou, sube pelo meu amigo Paulinho, fi de Seu Paulo. Festona da porra lá em Minas. Semana depois recebi uma carta perfumada:

"Inda sonho com você e eu em cima da motona. Cada vez que meu marido me penetra eu fecho os olhos e sinto você. Dele tenho nojo mas queria você todo na minha boca e bebia era tudo. Depois você me pegava por trás, se dane se é pecado, e me barranqueava feito sua égua, sua moto..."

E dali desenrolava prumas putaria que tenho vergoin de falar aqui. Ah, Rosinha, vim aqui pras Geraes e num te achei mais não, sô.

*

Ontem subi no pico maisáldi São Thomé, o Cruzeiro onde supliciavam escravos. Desci de lá, entre jovens drogados, uma sensação ruim. Queria voltar pro meu quarto seguro, com vista pras tumbas. Ao passar num bar ouvi um grito estridente, voz que logo reconheci: Robert Plant. Ói, que até rimou. O bar chamava Zepelim. Então Plant, pós o grito, começou a cantoria:

Au au au au
Au au...

E sapecou os primeiro acorde de Black Dog, aquela musiquinha lá. Didendubar então foi ele saiu, o cachorrão preto como a noite. Falou pra mim:

Mim segue.

Cumpanhei o negão a contragosto. Ele ia pro meslugar qu’eu, a pousada frente o cemitério. Só que fez eu entrar no campo santo:

Mim segue.

Segui o bicho até uma campa mal cuidada lá bem nos fundo. Divinha o nome que tava lá, nas letrim. Divinha aí se cês é baum.

Todos que falaro erraro. Na lápi tava escrito:

Aqui jaz a senhora Maria das Chagas Nascimento dos Santos, que sucumbiu da ingratidão de seu criminoso filho...

Os besta que sopraro o nome Expedito certaro um poco. Logo após a frase acima, logo após "criminoso filho" tava escrito essinome aí mês. E em cima da lápi tava uma veinha sentada, um dente só na gengiba de cima, cascano uma laranja. Mordeno, melhor, picotano a laranja, ela falou:

Ocê reza pra esse aí - deu de beiço pro cachorro - que perdoei causo que é fi, mas meu perdão não basta.

Ato continuo falei:

Vai com Deus, Expedito.

Mas, nada. A veinha Daschaga falou de eu ir na gruta de noite. E sumiu na bruma, junto co negão. Avemaria.

Prometi pra Dona Daschaga de noite ia. Mas fiquei por quelora caçando no cemitério alguma pista da existência, e consequente veracidade, daquelas coisa que eu experimentavo. Vai que efeito do chá que tomei. Uns cogumelo que tem lá. Era nada. Cumpocos passo deparei catumba dodondo cachorro. Disso eu sube causo que o próprio, o cachorro preto, tava lá, plantadim, arfano de língua de fora. Inda falou comigo, o coiso:

Satisfação. Nome meu é Chicudito, viúvo de Daschaga e pai daquele porquera que, além de sassino, é corno.

Que porra que cesqué mais eu? Mim deixa. Vade reto.

Senhor foi o primeiro a desgraçar Rosinha. Tem sascupa nos cartoro.

Mai se eu nem relei mão nela.

Num relou mas botou a perder. Ninguém tá licuzano. Só que sua obrigação é ajudar na libertação da alma daquele boi meu fi. Senhor siga as instrução que azalma gradece. Depois volte em paz.

Avemaria. Segui azorde do véi Chicudito. Nera nadinovidade, só repetiu o que a véi Daschaga já tinha falado, cumas especificidade: ir na gruta de noite e falar com quem tivesse durmino lá.
Sol se pôs tavo eu lá, na pordagruta. Niqui escureceu entrei. Surpresa minha foi me tropicar num fardo de estopa fedendo mijo. Uma mendinga dormia sua miséria bem ali. Pra cumprir o prometido aos encantado pai e mãe de Expedito, quele corno, puxei prosa ca mendinga. Descobriu da cabeça e me olhou cunzoi remelento. Bafo de pinga da porra. Cabelo loiro desgrenhado. E aquelizoi. Marelo, marelim feito de uma pessoa só.

Rosinha.

Niquiqui falei a palavra Rosinha a mendinga saiu de debaixo do cobertor fedeno mijo. Nuzinha.

Tá conheceno eu não, bobo?

E logo deu quele sorriso encabulado e baixou ozoio, do mesjeitim. O cheiro de mijo deu lugar a um olor de fazema, muidubom. A gruta se lumiou e eu pude vislumbrar a nuíce de Rosinha, nuzinha. Caqueles zoidemel.

Esperei tanto ocê, bobo.

Se garramo ali na gruta memo, fizemo ozamor noitoda, baixo do cobertor de fazema co cheiro de todasflor. Ela gemia nos gozo e das vez falava:

Eu amo é tu, Expedito era um besta.

*

Cordei bruiado sozim num cobertor seboso. Cheiro de mijo da porra. Um cachorro preto, meu véi coincido, ora me lambia a boca ora me mordia a perna, puxano cobertor. No candagruta uma mendinga véia, pelada, dos cabelo desgrenhado, tava sentadicoca, mamano bico uma garrafa de Morrão. No mei dum mondirremela inda pude vislumbrar quês memozoio marelo, marelim. Olhou pra mim num disse nada. Só arrotou. Um cheiro de pinga da porra se dicionou ao cheiro de mijo da porra que já tava na gruta. Se vesti e saí num pau da porra, seguino o cachorro preto. Divinha aí onquele me levou, se ceis é bão.

Já que ninguém divinharo o negão levou eu foi no cemitério memo. Lá no tumo de Chicudito, onde tava boletada uma véia, cascano e chupano laranja. Chupano não, picotano, causoquela só tinha um dente só, na gengiba superior.

Seu bostim, a mendinga engambelou ocê. Nu'era pra ficar de safadeza. Estragou foi tudo.

Cuma vergoin da porra só baixei ozoio e implorei.

A s' ora mim discupa.

Ela num falou foi nada. Ficou foi mim fitano caquelezoio dela lá. Unzoio que, arreparano direito, mim era familiar. Marelo, marelim. O cachorro preto latia pra chamar tenção e mordia asbarra de minha calça, a modo de mim levar bora dali. Seguino o negão de vorta, no cemitério encontrei na porta, coisa maisfei de que Moura-Torta, quinté pursou minha veiaorta. Virei inté poeta, caquilo queu vi, um ome de chapéu e barba cerrada se dirigino pra mim.

José Expedito do Nascimento Passos, um seu criado.

Que ocê quer mais eu, coiso?

Que ocê vorte lá na gruta de noite e arrepare o marfeito.

E sumiu dojeiquivei. Esconjuro. Sisquici de mendinga, de véia, de véi, de negão, tudo. Peguei uonz na porta do cemitério pra ir desencanar. Mondimaloquero no onz. Esficatudovinfanq. No onz. Ninguém arrespeita. Desacorçoado vortei lá pra gruta. Arreparar o marfeito e imbora.

Desci duonz na pordagruta, decidido. Agora arreparo o marfeito. Entrei tinha era nada. Fiquei pensano, que desgraceira sismaloquero nas velhas Geraes que conheci otrora. Niquiqui pensava mim cutucaro ozombro. Avirei.

Rosinha.

Vei vê eu? Quizoio triste, amor.

Eu sabia que era encantada, mas dei conversa.

Tô tristim. Vim de onz cusmaloquero.

Avemaria. E o quequesfizero?

Esficovinfanq. Denduonz.

É. Espensquonz é dês. Vem que liconsolo.

E dito isso o vestidichita caiu e ela ficou nu, nuzinha. Cheiro de fazema. Aprochegou e de mão ágil bateu nos botão de minha braguia que as calça caiu. Daí ela joeiou. Eu tinha se comprometido ca véia, mas fraqueei. Fiquei foi sentino uma boca macia na estrovenga, ela me oiava caqueles oio marelo, marelim, feito bebê de peito que olha pra mãe nas gratidão.
Devaneava eu. Mas uma rapa de razão mim acudiu. Senti na macieza daquela boca que ali faltavam dentes. À exceção de um incisivo superior, que mim picotou a estrovenga como se fosse uma laranja. Abri ozoio e vi a cena nojenta. Cheiro de mijo com pinga, uma véia sebosa mimchupano que parecia uma bezerrinha. Quebrei o encanto.

Ocê é a trindade do Mal. É três numa só. A Fia, o Espritimundo e a Mãe. É Rosinha, é a mendinga, e é a véia Daschaga. Valei-me meu São Thomé das Letras. Avemaria.

Niquiqui falei as santas palavras ela deu um peido de enxofre e s'esvaporou numa nuve. Desci da gruta tava ele lá misperano. 

Expedito.

Deus seje louvado. O senhor alibertou nós tudo. Agora posso descansar em paz.

Dito isto sumiu-se em nuve. Uma pombinha voou do campanário da igreja de São Thomé rumo aos céus. Pensei lá comigo memo, liviado.

Mai é um boi memo. Cumile a mulé, cumile a mãe e ele inda gradece.


FIM

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