quarta-feira, 25 de janeiro de 2017



O título deste livro permite duas leituras, Decadência ou Decência, conforme se considere ou não o "ad" nos parênteses internos. O que Sérgio, o abjeto protagonista, pretende demonstrar é sua tese de que decência e decadência andam juntas, ao menos na medida em que a decência é o escudo de todo falso moralista, como ele próprio.

Machista, racista, egoico, homofóbico, Sérgio narra sem pudor as desventuras de sua vida de psicólogo corporativo. Filho único de uma família de classe média emergente, encarna o preconceito dessa classe, a despeito de sua própria mãe ter retornado ao subúrbio enquanto ele foi morar na Lagoa, Zona Sul de um Rio de Janeiro idealizado onde se passa a trama. Flertando com o pragmatismo religioso e a ascensão de um pentecostalismo de resultados (nisso o livro é profético, foi escrito antes das últimas eleições municipais), o (anti-)herói está sempre pronto a extrair lucro e vantagem de tudo, seja da fé, que aborda em seu aspecto mais torpe, o dos aproveitadores; seja da psicologia que, antes de ser para ele uma busca do autoconhecimento, é um meio de sobrevivência que ajuda a manter o sistema viciado em que a sociedade se encontra mergulhada.

Reflexo de um Brasil tão atual, ou de um mundo inteiro xenófobo e intolerante, o personagem vai experimentar na própria pele a decadência a partir do malogro do seu envolvimento com uma mulher mais velha, a quem humilha cruelmente. Mas não se pode dizer que ele seja um psicopata, aquele sujeito que não tem superego. Sérgio tem logo dois: a mãe, absoluta, e GW, seu misterioso ghost-writer, a sombra que orienta a escritura de suas memórias, impondo o freio do beletrismo e da lógica machadiana aos arroubos de mau-gosto desse psicólogo sem o menor pendor literário.

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